domingo, 4 de dezembro de 2011

Terra nostra, de Carlos Fuentes



John Elliot, no prefácio à edição de Terra nostra pela editora Seix Barral, escreve que o romance está impregnado de um sentido de passado. A estória rica e complexa de Fuentes, tem como tema a História. O autor, como historiador, busca evocar o passado, ao mesmo tempo que o interpreta. A novela de Fuentes tem como intuito trazer a influência do passado no presente e interpretá-lo em relação ao futuro. O presente, igualmente, influencia na forma como se vê e se compreende o passado. O historiador, ou o narrador ou o cronista do enredo múltiplo (são várias historias que se misturam), é o guardião da memória. Aquele que escolhe recordar do passado o que sobrevive e dá forma a um futuro.
Terra nostra apresenta um México nativo do autor como uma nação resultante da contundente imposição da civilização espanhola do século XVI às civilizações astecas e maias. As civilizações hispânica e indígena têm pontos de vista diferentes sobre o tempo. Para os habitantes do México prévio à conquista, o tempo era cíclico; para os espanhóis da era do Renascimento e da Contrarreforma, o tempo era linear, culminando na grande apoteose do Juízo Final.
El Escorial, palácio mandado construir por Felipe II é central na história, porque dali a Espanha trata de impor sua visão de mundo a um México conquistado. A Espanha que subjuga e coloniza o México é a rígida e intolerante Espanha da Contra-Reforma.
A história de Terra nostra, a fábula, é o destino de três irmãos, filhos bastardo do Senhor (Felipe II), todos com uma cruz vermelha nas costas e seis dedos em cada um dos pés. Na primeira parte da obra, El viejo mundo, passa-se na Espanha, quando o rei discute com seu cronista os valores da existência. Fuentes incorpora no enredo figuras desse mundo, a partir de A Celestina, de Fernando de Rojas, Don Juan, de Tirso de Molina e Don Quijote, de Cervantes. A Celestina é obra de transição entre a Idade Média e o Renascimento. Nela são retratados os vícios e defeitos de uma sociedade moralista. A Celestina é uma alcoviteira e dona de prostíbulo, que amarra casamentos à base do dinheiro. Acaba, assim, juntando Calisto e Melibea, que representam a paixão descontrolada e destrutiva, alheios à razão. Don Juan, o burlador de Sevilla, apresenta o comportamento imoral de um homem que seduz as mulheres com falsas promessas de casamento, com a finalidade única de fazer sexo com elas e depois abandoná-las. Don Quijote é a história por demais conhecida, do cavaleiro da triste figura. Em Terra nostra, as personagens dessas três obras se misturam e passam a refletir a moral oficial deformada da Igreja e dos poderosos da época.
Na segunda parte do romance, El mundo nuevo, o cenário é o México da época do descobrimento da América pelos espanhóis, o confronto do tempo cíclico dos selvagens, com a realidade linear dos descobridores. Carlos Fuentes narra o mito de Quetzalcóatl, uma mistura de ave plumada com serpente, venerada pelos astecas e mais. Quetzalcoatl representa as energias telúricas e também a vida, a abundância da vegetação, o alimento físico e espiritual para o povo. Posteriormente passou a ser cultuado como deus, representante do planeta Vênus, correspondendo à noção de morte e ressurreiçao. Uma das representações desse deus, segundo fontes orais, seria a de um homem branco, barbudo e de olhos claros. Alguns historiadores acreditam que os astecas viram no explorador Hernán Cortés a figura de Quetzalcoatl, o que teria facilitado a subjugação espanhola sobre os povos nativos do México.
A terceira parte, El otro mundo, volta à Espanha da Contra-Reforma, mas dá saltos no tempo em relação ao passado, presente e futuro. Surge a história da formação da Itália e sua constituição política, surge o México dos caudilhos, Paris dos fugitivos políticos. Há uma passagem interessante de Ludovico, quando este regressa do Novo Mundo e conversa com o Senhor Felipe II e este lhe pergunta: “Então, triunfaste tu. O sonho foi realidade”, ao qual Ludovico responde: “Não, Felipe, triunfaste tu, o sonho foi pesadelo. A mesma ordem que quiseste para a Espanha foi trasladada à Nova Espanha, as mesmas hierarquias rígidas, vesticais, o mesmo estilo de governo. Para os poderosos, todos os tipos de direitos e nenhuma obrigação; para os fracos, nenhum direito e todas as obrigações. O novo mundo foi povoado por espanhóis enervados pelo luxo inesperado, o clima, a mestiçagem, as tentações de uma injustiça impune”.  Eu li Terra nostra no original, mas há a tradução de Olga Savary pela Nova Fronteira, 1982, que se pode garimpar nos sebos. É um livro pesado, exige alguma pesquisa paralela à leitura, mas é de leitura enriquecedora, se tivermos um pouco de paciência.
===========================
Carlos Fuentes. Terra nostra. Barcelona, Seix Barral, 2003. 796pp

Fernando de Rojas. A Celestina. Porto Alegre, LPM, 2008
Tirso de Molina. Don Juan, o burlador de Sevilha. Brasília, Círculo de Brasília, 2004
Cervantes. Dom Quixote. Porto Alegre, LPM, 2005 2vol.

4 comentários:

  1. Carlos Fuentes, como Octávio Paz, é um autor fundamental!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Salve, Cláudio. Concordo e acrescendo outro autor fundamental à literatura mexicana e universal: Juan Julfo, de "Pedro Páramo".

      Excluir
  2. É um livro maravilhoso! "Terra nostra" foi traduzido no Brasil por Olga Savary e publicado pela Nova Fronteira em 1982.

    ResponderExcluir
  3. Obrigado pela contribuião, Borges de Garuva. Fiz a correção.

    ResponderExcluir