domingo, 10 de junho de 2012

Alvo Noturno


Quando foi perguntado ao escritor argentino Ricardo Piglia (1940) por que havia demorado tanto para publicar seu último romance Alvo Noturno, lançado no Brasil em 2011, já que sua última obra de ficção, Dinheiro queimado (Plata quemada), havia sido publicada em 1997, ele disse que mantém um método de trabalho que não recomenda a ninguém, que consiste em fazer uma primeira versão do romance e deixá-la de lado. Quando regressa à história, tem a sensação de que ela está mais nítida. Alvo noturno é uma trama policial, onde um crime ocorre no início e há um comissário de polícia que investiga o caso, vindo a ser, no decorrer da história, auxiliado por um jornalista. O romance transparece com clareza as relações entre corrupção e poder político. Croce, o comissário fora de moda em relação a seus métodos, é um ser marginalizado que tem um olhar lúcido, distanciado, que está sempre questionando a verdade. O comissário Croce é um cara meio louco, já não é tão racional e nem se aproxima da verdade por métodos mais práticos. Busca decifrar o crime através de suas percepções, que são inexplicáveis. No povoado onde vive e onde ocorre o crime, seu método é aceito, pois ele sempre desvenda os crimes. O homem assassinado no povoado que fica próximo a Buenos Aires é um negro porto-riquenho que veio para a Argentina, por causa de duas gêmeas de uma família rica da região. Ao contrário de outros países latino-americanos, a Argentina não teve lastros significativos com os africanos, muito embora haja um racismo muito forte. Mestiços de índios e negros, chamados de zambos, eram a classe mais baixa da escala social do Rio da Prata. Então, aparecer um mulato cheio de dinheiro, vindo do nada, envolvido com duas irmãs de uma família tradicional da sociedade local, pode tornar mais previsível o fato dele ser assassinado. A partir do crime, entretanto, a história cresce, mostrando o inferno das relações familiares: o falso culpado e o culpado verdadeiro, fraude, paixões e traição. Vale muito a pena a leitura.

Ricardo Piglia é escritor e professor de literatura latino-americana, considerado um dos melhores da literatura argentina na atualidade. Dizem que é o sucessor de Borges (não entendo por que Borges tenha de ter um seguidor ou por que não possa existir Borges e Piglia sem que este deva alguma coisa àquele). Seus romances Respiração Artificial, A Cidade Ausente, Dinheiro Queimado e Alvo Noturno já estão publicados no Brasil. É autor, também, de contos, ensaios sobre ficção e roteiros para cinema. É dele o roteiro do filme Coração Iluminado, dirigido por Héctor Babenco. Sua obra Dinheiro Queimado foi para o cinema com o título de Plata Quemada.
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Ricardo Piglia. Alvo Noturno. SP, Cia. das Letras, 2011, 256 pp. R$ 45,

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