domingo, 10 de fevereiro de 2013

Memórias de uma moça bem comportada



Neste seu primeiro livro de memórias, retratando sua infância e juventude, Simone de Beauvoir nos conta que não foi tão comportada assim, em sua juventude. Nascida de uma família burguesa em 1906, desenvolveu desde cedo o gosto pela leitura. Desde pequena sofria com a solidão, por se perceber uma pessoa com pensamento mais avançado que os demais à sua volta. Aos 21 anos já estava graduada em Filosofia pela Sorbonne. Bem antes disso,  já questionava a fé católica (quando criança, frequentava a igreja três vezes por semana). Adolescente, teve a consciência de que não acreditava mais em Deus. Durante o período em que foi estudante universitária, passou a frequentar bares e a beber socialmente, o que nunca havia feito antes. Apaixonou-se por um primo que muito  influenciou sua intelectualidade, mas não foi correspondida. Teve poucas, mas grandes amigas. Conheceu Sartre, estudante como ela. Sua influência sobre Simone foi essencial, para que ela enveredasse pelo caminho do existencialismo. Sartre sentia carinho e atração por Simone, mas não era correspondido, ainda.
Muito bem escrito, parece prosa de ficção, o livro reserva muitas outras nuances dessa personalidade marcante no modo de pensar do século XX. Simone morreu em 1986, deixando romances, peças teatrais e vários livros autobiográficos. Seu livro Cerimônia do adeus (será resenhado aqui brevemente) retrata os últimos dez anos da vida de Sartre, que veio a falecer em 1980.
Os romances que Simone de Beauvoir escreveu tinham como estrutura uma tese filosófica. Suas tramas serviam como exemplos de sua forma existencialista de pensar. Por isso parecem soar falsos como ficção. A convidada e Os Mandarins são suas obras romanceadas mais conhecidas no Brasil. Nessas duas obras, por exemplo, a autora examina a condição feminina nas dimensões sexual, psicológica, social e política. Amarrada às tramas, aparece a proposta de caminhos que podem levar à libertação não só das mulheres, como também dos homens. Para Simone, o certo era que até o momento do século XX, as possibilidades da mulher haviam sido sufocadas e perdidas para a humanidade. Portanto, era (e é) já tempo de deixar a mulher, enfim, correr todos os riscos, tentar a sorte. Simone de Beauvoir disse em O segundo sexo, que ninguém nasce mulher: torna-se mulher, posto que nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro.
Se você sentir vontade de ler Memórias de uma moça bem comportada, irá se deparar com uma prosa clara, objetiva e interessante. Correrá o risco, também, de querer ler o segundo livro de suas memórias,  A força da idade, que retrata a Simone na fase em que ela mais queria viver, quando adolescente, a da mulher adulta.
Memórias de uma moça bem comportada, assim como outros livros de Simone de Beauvoir, são frequente relançados e rapidamente se esgotam. É possível encontrar exemplares bem conservados a preços acessíveis nos sebos virtuais.
                                                                        Paulinhopoa2003@yahoo.com.br

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Simone de Beauvoir. Memórias de uma moça bem comportada. Rio, Nova Fronteira, 1983, 372 pp. 

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