domingo, 3 de fevereiro de 2013

Fazes-me Falta


Em um dos monólogos, ele diz: Eu nunca me aproximara tanto do teu corpo. O teu cheiro surpreendeu-me pela delicadeza e pela névoa erótica. Encostei o meu braço ao teu e comecei a transpirar. Sentia uma vontade violenta de me desmoronar em ti. Não, não era fazer amor. Fazer amor não existe, porra, o amor não se faz. O amor desaba sobre nós já feito, não o controlamos – por isso o sistema se cansa tanto a substituí-lo pelo sexo, coisa gráfica, aparentemente moldável. Também não era foder, fornicar, copular – essas palavras violentas com que tentamos rebentar o amor. Como se fosse possível. Como se o amor não fosse exatamente essa fornicação metafísica que não nos diz respeito – sofremos-lhe apenas os estilhaços, que nos roubam vida e vontade. Eu queria oferecer-te o meu corpo para que o absorvesses no teu. Para que me fizesses desaparecer nos teus ossos. Eu, educado no preceito alimentar de que os rapazes comem as raparigas, depois de uma vida inteira de domínio dos talheres queria agora ser comido por ti. Queria entregar-me nas tuas mãos.
A escritora portuguesa Inês Pedrosa (1962) ganhou reconhecimento no Brasil com o romance Em tuas mãos, em que intercala os discursos de três mulheres de uma mesma família, entrecruzando memórias e pensamentos que ilustram três gerações. Em 2007, a Alfaguara lançou aqui A eternidade e o desejo, onde uma jovem professora portuguesa  decide voltar a Salvador (Bahia) anos após ter ficado cega ao tentar salvar de um tiroteio o homem que amava.  Nesse regresso ao Brasil, seu objetivo é seguir as pegadas de Padre Antônio Vieira, buscando conforto e inspiração em seus sermões, ao mesmo tempo em que relembra o passado e começa, lentamente, a mergulhar no sincretismo religioso baiano. Fazes-me falta, obra anterior a A eternidade e o desejo, chega à mídia através da publicação da Folha de São Paulo, que reeditou obras da literatura ibero-americana.
 Em Fazes-me Falta, a autora compõe uma narrativa com duas vozes distintas - um homem e uma mulher - que se entrecruzam gradualmente sua intensa relação em monólogos, num estado intenso entre paixão e amizade. De forma insólita, esse diálogo resulta num contato partido, pois a mulher, cuja voz inicia esse romance, morreu ainda jovem. É ela, no entanto, quem ampara seu companheiro da perda e da solidão. Entre as lembranças de encontros e desencontros, caberá a ambos dizer o que nunca puderam pronunciar em vida, e curar antigas cicatrizes do passado. O romance sofre do problema da sintaxe portuguesa, com a rigidez da colocação dos pronomes oblíquos, que  chateia um pouco. Os personagens falam como escrevem. Fora isso, é uma historia contada com delicadeza e sensualidade, apesar das perdas. 

                                                                                           paulinhopoa2003@yahoo.com.br            

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Inês Pedrosa. Fazes-me Falta. SP, Alfaguara Brasil, 2010, 224 pp.,  R$ 38,90

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