domingo, 25 de agosto de 2013

Clara dos Anjos

“O subúrbio é o refúgio dos infelizes”. Essa é a frase mais lembrada, quando se fala no romance Clara dos Anjos, de Lima Barreto (1881/1922). O subúrbio é o lugar dos que perderam o emprego, os bens; dos que faliram nos negócios. Lima Barreto sabia muito bem do que falava. Viveu sempre no subúrbio, em condições humildes de vida. Conheceu as dificuldades dos que tinham de se manter à periferia da cidade do Rio de Janeiro, devido ao crescimento e embelezamento da Corte. O prefeito Pereira Passos, no início do século XX, desapropriara a população que vivia no centro da cidade, próximo aos prédios públicos, para que ruas fossem criadas ou ampliadas e residências burguesas fossem erguidas para habitar os poderosos. Nos subúrbios passaram a habitar os trabalhadores humildes, entre eles os negros e mulatos recém libertos da escravidão. Por ser mulato, Lima Barreto sentiu na pele o peso do preconceito. Seria filho de escrava com o protetor de sua família, fato não comprovado suficientemente, ainda que Lima Barreto e sua família tivessem sido ajudados pela outra família até depois da morte do patriarca. Lima Barreto não aceitava o preconceito de cor e sempre lutou contra isso, através de seus romances e das crônicas diárias dos jornais em que trabalhou. Criticava duramente a sedução que os homens brancos exerciam sobre as mulatas, abandonando-as mães e solteiras. Esse, aliás, é o mote para Clara dos Anjos, romance irregular em sua estrutura narrativa, mas importante por revelar personagens marginais muito pouco expressivas nos romances que haviam sido produzidos até então na literatura brasileira.

O enredo é simples, Clara dos Anjos, uma pobre mulata ingênua e sonhadora, filha de um carteiro de subúrbio, é iludida, seduzida e desprezada por um rapaz branco de condição social inferior a sua. Não faltaram cuidados e avisos para que ela não caísse na lábia de tal malandro, já conhecido por desencaminhar outras moças ingênuas e virgens. Clara cede, apesar do zelo dos pais e do padrinho, na esperança de que ele fosse casar-se com ela, o que não ocorre, pois o rapaz foge, deixando-a grávida. A família tenta contato com a família do rapaz, mas nada pode ser feito, o rapaz é maior de idade. Cabe à família de Clara arcar com as consequências do ato, num final em que a filha diz ao pai: “Nós não somos nada nessa vida”.

Clara, aliás, aparece pouco na narrativa. É a personagem que fica à espera de seu destino infeliz. O autor tece um retrato fiel dos ambientes por onde circulam essa gente humilde, com personagens estruturadas sob a forma da caricatura. A personagem de Cassi Jones, o pilantra, é fartamente documentada oralmente pelos que conhecem sua pessoa e seu caráter. Só que a ingenuidade é o defeito que provoca o trágico na vida de Clara e de sua família.

A edição econômica da Penguin & Cia. das Letras é muito bem cuidada, incluindo textos de Beatriz Rezende, Lúcia Miguel Pereira e Sérgio Buarque de Holanda, elucidando diversos aspectos do texto de Lima Barreto. Apresenta também notas de rodapé de Lilia M. Schwarcz e Pedro Galdino da Silva Neto, esclarecendo e explicando metáforas, expressões, personagens, lugares e situações históricas presentes na vida social da época do romance: .

                    paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Lima Barreto. Clara dos Anjos. SP, Penguin Editora, 2012, 304 pp. R$ 26,00

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