sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Arthur Schnitzler

Com  De olhos bem fechados, de Stanley Kubrick, descobri e passei a gostar de Arthur Schnitzler (1862-1931). Médico de formação, era dramaturgo, romancista, contista e ensaísta. Foi contemporâneo e amigo de Sigmundo Freud. A película de Kubrick foi baseada em sua novela Breve romance do sonho. No filme, Bill Harford (Tom Cruise) é casado com a curadora de arte Alice (Nicole Kidman). Ambos vivem felizes, até que, logo após uma festa, Alice confessa que sentiu atração por outro homem no passado e que seria capaz de largar Bill e sua filha por ele. Bill fica desnorteado e  sai pelas ruas de Nova York, assombrado com a imagem da mulher nos braços de outro. Acaba infiltrando-se em uma reunião secreta numa mansão afastada. Lá, vive emoções fortes e perigosas, reconhecendo pessoas de seu convívio social, ainda que todos estivessem mascarados. A novela de Schnitzler passa-se em Viena, quando o casal Fridolin e Albertine conversam sobre o que aconteceu no baile de máscaras que acabaram de participar. A conversa envereda por pontos de sedução, ambos trocando confidências sobre seus desejos e fantasias sexuais, até que a infidelidade causa uma ruptura emocional em Fridolin. O ciúme é o ponto de apoio entre os dois. A sequência da história é uma aventura alucinante pela noite, culminando numa orgia assustadora. Schnitzler nos diz que, mesmo acordado, não se pode deixar de sonhar.

Em Doutor Gräsler: Médico das Termas (a obra foi reeditada pela Record com o nome de Médico das Termas, pelo mesmo tradutor),Schnitzler nos apresenta o médico Emil Gräsler, convidado a trabalhar nas termas de um balneário. No mundo local em que se relaciona, mostra-se gradativamente um homem sem disposição para firmar vínculos de qualquer natureza, seja na profissão, com as mulheres e os amigos. O autor desenvolve aqui um recurso literário de que foi um dos precursores na literatura: o monólogo interior ou fluxo de consciência. Através dessa estratégia, ficamos acompanhando o pensamento íntimo do personagem que pouco revela de si exteriormente. Os avanços e recuos nas tentativas de amar, o sentimento de um vazio imponderável são revelados na análise da alma do Doutor Gäsler. O personagem faz de tudo para que nós, leitores, não venhamos a gostar dele, já que nos perturba.

Aurora, sua obra-prima, passa-se no período anterior à Primeira Guerra Mundial, em Viena. O tenente Wilhelm Kasda, homem com forte complexo de inferioridade, decide ajudar um companheiro de caserna, que lhe pedira dinheiro emprestado para pagar uma dívida. O tenente Kasda, pensando em ajudá-lo, resolve sair à noite para jogar, sonhando que conseguirá ganhar o suficiente para poder emprestar o que lhe havia pedido. Kasda ganha algumas vezes, chega a juntar um monte considerável de dinheiro, que acaba perdendo de uma hora para outra. Sem dinheiro, não tem como recuperar o que perdera. Então, um cônsul lhe empresta uma quantia considerável, que o tenente perde. Empresta-lhe mais, até que Kasda fica devendo ao cônsul onze mil florins, um montão de dinheiro. O credor lhe dá pouquíssimo tempo para a restituição do montante, sem o quê dará parte ao exército da falta que cometera. O mundo de Kasda vira de cabeça para baixo, numa busca alucinada para conseguir um empréstimo. O final da novela surpreende.

Otto Maria Carpeaux (1900-1978), austríaco e brasileiro, nos informa em sua monumental História da Literatura Ocidental, que a obra de Schnitzler é o espelho de uma sociedade agonizante dividida entre operários socialistas e pequenos burgueses agitados, antissemitas que responsabilizavam a rica burguesia judia vienense pelos males do país. Acima dessa massa em ebulição havia a alta burocracia e o exército, comandando, gente sem nacionalidade definida, com títulos de nobreza alemães, mas de origens alemã, húngaras e eslavas. Foi dessa elite mesclada que surgiu a nova literatura austríaca, da qual Arthur Schnitzler é um representante dos mais importantes. A obra de Schnitzler é escrita com realismo sincero, cabe ao sexo o papel principal, sem esquecer, entretanto, a morte. O amor em todos os seus aspetos é quase o único assunto do autor. Há um pessimismo irônico misturado a uma poesia intensa.

Há mais obras de Arthur Schnitzler traduzidas para o português: Caminho para a liberdade, O retorno de Casanova, Crônica de uma vida de mulher, A senhora Beate e seu filho etc. A Editora Record vem editando as obras do autor, sob tradução de Marcelo Backes. Entretanto, algumas delas ainda se encontram esgotadas. Será preciso garimpá-las em sebos virtuais com preços acessíveis. Aurora você encontra em bom estado de conservação por um preço médio de 25 reais. Vale a pena ler as histórias desse autor que sabe cativar e incomodar o leitor com maestria.

                           paulinhopoa2003@yahoo.com.br

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Arthur Schnitzler. Breve romance do sonho. SP, Companhia de
     Bolso, 2008, 112 pp, tradução de Sérgio Tellaroli, R$ 16,50
_________________ Médico das termas. Rio, Record, 2011, 192 pp. Tradução de Marcelo Backes, R$ 33,90
_________________ Aurora. SP, Boitempo Editorial, 2001, 152 pp. Tradução de Marcelo Backes, esgotada

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