domingo, 10 de novembro de 2013

Oceano mar

O romance do italiano Alessandro Baricco (1958) é engraçado, mas não é burlesco. As imagens cômicas que o leitor depreenderá de sua prosa competente são carregadas de graça e delicadeza, como cenas da commedia dell'arte ou dos filmes de fantasia de Tim Burton. Essa graciosidade poética da narrativa retrata o tema  que amarra as personagens do romance: a necessidade de se olhar o que não se vê.  O personagem central da história é o mar. Todos os demais personagens vivem relacionados diretamente com ele. Esses personagens funcionam como máscaras:  um quer determinar onde começa o mar; outro, onde o mar termina.  Há a menina que tem a estranha doença de flutuar, tirando os pés da realidade. A belíssima mulher que é obrigada a curar-se do mal do adultério. O estranho marinheiro que precisa salvar as histórias que escondia. Todos vivem em uma ilha para que tenham um tipo de transformação, alguma chance que lhes resgate a vida. Vivem em quartos com vista obrigatória para o mar, que lhes dê alento. Há um sétimo quarto com um habitante que se mostrará somente no final da história, causando a curiosidade dos demais.  Plasson, o pintor, pinta suas telas na beira da praia, usando como tinta a água do mar. Ele vangloria-se da beleza de seus retratos, mas os demais habitantes da ilha enxergam somente uma tela em branco. Plasson  anteriormente fizera dinheiro, tornando-se o retratista mais amado em sua terra. Todas as famílias endinheiradas faziam questão de ter um retrato seu na parede.  Poderia ter continuado assim a vida inteira, enriquecido, mas certo dia veio-lhe a ideia surpreendente: fazer o retrato dos olhos do mar. Foi assim que se mudou para a ilha.  Naquele lugar, ele e os demais  se despem de si próprios, o que são resvala sobre si mesmos, aos poucos. O presente desaparece diante do mar e se torna memória. Todos se despem de tudo, medos, sentimentos, desejos. Isso torna-se roupa que é guardada, porque não se usa mais.
As crianças apresentam papel essencial na narrativa. São elas que conseguem olhar, que conseguem expressar a verdade das coisas.  Funcionam como protótipos da esperança, conseguem sensibilizar os que não conseguem ver nem sentir. O lado materno do mar poderá levá-los a enxergar o outro lado. Afinal, talvez seja realmente importante não sermos sempre os mesmos.
Quem quiser se aprofundar um pouco mais sobre o romance de Baricco, procure o ensaio da professora Maria Célia Martirani no Jornal Rascunho, sob o título Quando o olhar se faz visão.
Oceano mar tem tradução de Roberta Barni.
                                              paulinhopoa2003@yahoo.com.br

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Alessandro Baricco. Oceano mar. SP, Iluminuras, 1997, 222 pp, R$ 47,00

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