domingo, 23 de março de 2014

Memórias de um sargento de milícias

 Vez ou outra relia Memórias de um sargento de milícias, quando ainda era professor de literatura brasileira. Recentemente li mais uma vez o romance pela edição bem cuidada da Penguin & Companhia das Letras. Leitura deliciosa e sempre surpreendente. Consegui observar melhor a figura do Vidigal, famoso por sua autoridade e implicância com o Leonardo Pataca, revelando, entretanto, um lado afetivo e paternal que diminui um pouco essa caricatura, para revelar um homem com atitudes contraditórias.
Memórias de um sargento de milícias foi uma façanha literária de Manuel Antônio de Almeida, jornalista que escreveu sua única obra ainda jovem, de maneira original. O livro saiu no período do Romantismo, em que Alencar, Macedo e Machado de Assis, em sua fase inicial, revelavam em suas obras heróis e heroínas típicos dos salões do Império no Rio de Janeiro. O romance de Manuel Antônio de Almeida foge diametralmente do romantismo dramático, revelando personagens caricatos com a função de exercer, inclusive, uma crítica social aos costumes e à política da época. O autor nos mostra um herói simplório só na aparência, já que Leonardo é muito vivo e sabe tirar partido das adversidades para buscar aquilo em que acredita. O romance revela um cenário carioca com uma multidão composta por meirinhos, soldados, barbeiros,padres, ciganos, burocratas, costureiras, marujos, boticários, parteiras, beatas, curandeiros, professores,músicos, dançarinos, taverneiros, agiotas, vadios, velhacos, valentões, todos ou quase todos de origem portuguesa, mas já corrompidos pelos costumes do Rio de Janeiro da época. A originalidade da obra de Manuel Antônio de Almeida reside em contar uma história cheia de pequenos golpes, mutretas e espertezas. Curiosamente, como atesta Rui Castro no ensaio introdutório do romance, não se notam nobres, nem escravos e muito menos índios, revelando que o cânone romântico não comportava a obra-prima de Manuel Antônio de Almeida.

Há quem considere Memórias de um sargento de milícias como o nosso romance picaresco. A malandragem que permeia o romance também aparece nas comédias de Martins Pena, outro autor que não se deixa amarrar na estética dominante do Romantismo brasileiro. A menos que possua o livro, evite aquelas edições horrorosas que se usavam na escola, com os desenhos horrorosos da capa. Isso ajudou muito a desmerecer o interesse pelo livro.  O mérito dessas editoras é que foram as únicas, por bom tempo, a lançar livros paradidáticos com preços bem acessíveis. Mas esqueceram o conforto da leitura.

Dedico essa crônica a alguns ex-alunos da Lomba do Pinheiro, que descobriram meu blog, demonstrando-me que ensinar literatura pode render bons frutos.

                                                                   paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Manuel Antônio de Almeida. Memórias de um sargento de milícias. SP,Penguin/Companhia, 2013, 270 pp, R$ 24,50

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