domingo, 4 de maio de 2014

Todos os homens são mentirosos

O que é a verdade? Essa é a questão proposta pelo escritor argentino Alberto Manguel (1948) em seu romance Todos os homens são mentirosos. Quando Jean Luc Terradillos, um periodista francês, se interessa em investigar a queda e morte de  um genial escritor argentino, debate-se com a seguinte máxima: "o que é a verdade"? Há sempre coisas ocultas sob a verdade de um fato. Por isso, todos os homens são mentirosos, na medida em que transformam a visão particular de um fato como verdadeira.
Jean-Luc Terradillos foi encarregado de pesquisar e entrevistar a vida de Alejandro Bevilacqua, asilado político argentino refugiado em Madri. Uma novela supostamente de autoria de Bevilacqua, "Elogio da Mentira", ganha notoriedade nos países de língua espanhola e o autor acaba forçado a falar do processo de sua obra publicamente. Entretanto, numa dessas reuniões sociais, Bevilacqua cai da sacada e acaba morrendo. Paralelamente, uma investigação policial busca desvendar a origem de sua morte. Terradillos, ao relembrar a vida de Bevilacqua,  lembra de um homem esquálido , grisalho, fumando cigarro atrás de cigarro, cruzando e descruzando as pernas para logo por-se de pé e dar largas passadas pelo apartamento. Ao relembrar sua convivência com Alejandro, Terradillo tem a missão de contar, e por que não?, recriar a história alheia.

Terradillo confia mais na memória do que na imaginação e usa as confidências de Bevilacqua em sua personagem de ficção, que é o próprio Bevilacqua. As recordações de Belivacqua careciam de paixão, de colorido. Por isso, começou a agregar a sua história um pouco de fantasia, de humor. À precisão do escritor argentino, acrescentava uma glosa irônica, um comentário. Bevilacqua parecia estar inventando um passado a si mesmo, como para convencer Teradillo de sua existência. Terradillo nos diz que quando Bevilacqua dizia não ser escritor, tinha razão. Carecia desse impulso de invenção que a escrita de ficção exige,  essa falta de respeito perante o que é e a ansiedade ante o que poderia ser. Não imaginava, via e documentava,  que não é a mesma coisa.
Assim, a figura de Bevilacqua, quase inexistente, transita de hipóteses, conforme sua figura concorde com determinados dados e prejuízos. Vai mudando de aspecto como uma dessas estátuas de jardim que se transformam imperceptivelmente ao longo do dia, conforme muda a luz. Isso, como verdade, entretanto, é inaceitável.  Nem todos  os diversos Bevilacquas são os que o periodista persegue. Nem todas as facetas de uma realidade lhe interessam. Só uma, se é sincero, ou quem sabe nenhuma. Por isso, quem sabe, escreve. Para dá-la a conhecer desde um ponto de vista particular, privado. Agora pensa que foi o desejo o que fez que ele fosse periodista. Ver seu nome no rodapé de uma coluna impressa. Declarar-se responsável. Dizer o que sente, o que opina. Dar sua visão do mundo lhe regozija secretamente.

Alberto Manguel (1948) é argentino de Buenos Aires e mora no Canadá.

                                            paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Alberto Manguel. Todos os homens são mentirosos. SP, Cia. das Letras, 2010, 184 pp. R$ 39,00

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