domingo, 27 de abril de 2014

O Ateneu

É uma organização imperfeita, aprendizagem de corrupção, ocasião de contato com indivíduos de toda origem? O mestre é a tirania, a injustiça, o terror? O merecimento não tem cotação, (...) aprova-se a espionagem, a adulação, a humilhação, campeia a intriga, (...) abundam as seduções perversas, triunfam as audácias dos nulos? Tanto melhor: é a escola da sociedade (...)

Ensaiados no microcosmo do internato, não há mais surpresas no grande mundo lá fora, onde se vão sofrer todas as convivências, respirar todos os ambientes; onde a razão da maior força é a dialética geral, e nos envolvem as evoluções de tudo o que rasteja e tudo que morde, porque a perfídia mãe-terra é um dos processos mais eficazes da vulgaridade vencedora (...)
E não se diga que é um viveiro de maus germes, seminário nefasto de maus princípios, que hão de arborescer depois. Não é o internato que faz a sociedade; o internato a reflete. A corrupção que ali viceja, vem de fora.

O narrador-personagem vive o terror de uma experiência pedagógica num internato comandado pela figura caricatural de Aristarco. Sua figura é poderosa. A caracterização satírica e despótica do diretor acompanha a composição de um ambiente de terror no colégio onde, em vez dos castigos físicos, infligia um controle exaustivo que marcava com o medo a vivência dos alunos. O temor insinuava-se não apenas pela tirania de Aristarco, mas por sua capacidade de incutir nos meninos o horror ao espectro da perversão que os ameaçaria. As influências perniciosas do ambiente marcam a vida de Sérgio para sempre. 
Não se pode dizer claramente o enredo do livro,  são narradas são situações e experiências, reflexos de caracteres e intenções.   A memória de Sérgio revela impressões da sua infância. O ângulo de visão do mundo ou da realidade é essencialmente subjetivo. Há quem diga que se trata do primeiro romance psicológico da literatura brasileira. Surgido dentro do real/naturalismo, O Ateneu  supera as características desse período, apresentando um narrador cheio de emotividade. São as impressões do menino que persistem na alma do narrador adulto que nos conta sua história. Aproxima-se, assim, também, do romance impressionista.
Os os que leram ou tentaram ler O Ateneu por obrigação durante o período escolar, deveriam reler a obra agora, para verificar como é forte, como é bem estruturado esteticamente e como é fascinante essa história de Raul Pompéia. É uma obra-prima.

Encerro, assim, o ciclo dos clássicos da literatura brasileira.

                                         paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Raul Pompéia. O Ateneu. SP, Penguin/Companhia, 2013, 312 pp. R$ 22,00

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