domingo, 12 de fevereiro de 2017

39. A náusea

Sartre (1905/1980)  sempre conservou, durante toda sua vida, a junção entre os temas filosóficos e condição humana, através da literatura. A Náusea, lançada em 1938,  é o romance que o levou à notoriedade. O título inicial era Melancolia, mas por sugestão do editor, Sartre optou por A Náusea. O romance é importante, na obra de Sartre, por ser a primeira a desenvolver o tema que aparecerá no restante de sua obra ficcional: o existencialismo. Está escrito em forma de diário, para dar verossimilhança ao personagem.

O personagem central é um historiador que viajou muito. Recolheu-se à cidade de Bouville para escrever o retrato de um marquês do século XVIII, Rollebon. Como nessa cidade havia arquivos importantes sobre o biografado, mudou-se para lá. Em sua convivência no local, vai aos poucos se desinteressando pela existência de Rollebon, por considerá-lo um personagem de si mesmo, alguém que não é ele mesmo, e abandona a função de historiador, que passa a considerar uma subordinação ao real, ao acontecido, e vai dar asas à liberdade através da ficção.
O encontro do historiador consigo mesmo é o encontro com a liberdade, e isso acontece de forma dramática, pois é o encontro com a contingência, isso é, nada na vida é premeditado. Ocorrem ao acaso. A existência é gratuita.

O livro é muito teatral, com cenas surrealistas, com personagens caricatos, simbólicos, como o Autodidata, que adquire cultura na biblioteca da cidade, lendo autores pela ordem alfabética, sem um objetivo pré-determinado. A moça do rendez-vous representa a caricatura do sexo, a banalização da vida amorosa e das relações humanas. Os casais que vão ao restaurante almoçar, namorar e comer, são falsos, constituem uma imagem projetada, estereótipo, uma tentativa de marcar uma essência humana e não viver a existência em seu decurso gratuito.

A namorada que ele encontra no final do livro, na esperança de retomar um amor perdido, diz respeito ao valor do instante. Ela tem uma característica de viver o instante em toda sua intensidade, mas perdeu isso com o tempo, idealizando-o.  Quando se separam, o personagem toma consciência de que cada um tem a sua história. E supera a náusea, a contingência de existir, ao ouvir uma música que ele considera perfeitamente acabada, como a vida deveria ser, mas não é. Vai escrever um livro de ficção, onde a liberdade apareça.

Sartre debruça-se em A Náusea, sobre a filosofia da existência, onde não existe uma essência humana à qual os exemplares estão determinados, existe o homem existente em sua contingência e sua gratuidade, ao contrário da figura idealizada que o pensamento burguês supunha.

O romance é anterior a O ser e o nada (se o homem existe, Deus é nada; se Deus existe, o homem é nada) e ao O que é literatura?, onde se propôs a responder em que medida a literatura deve ater-se à vida circundante e, a seu modo, refleti-la e procurar transformá-la. Mas contém, em essência, aspectos das duas obras filosófico literárias.

Tradução de Rita Braga
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Jean-Paul Sartre. A náusea. Rio, Nova Fronteira, 2006, 222 pp.

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