domingo, 26 de fevereiro de 2017

41. O Aleph

Borges parece ser mais difícil do que é. Tem vários níveis de leitura. Sua escrita parece estar fora do mundo real. Ele mesmo, em algumas entrevistas, considerava-se um homem do século XIX. Gostava de cultivar uma imagem distante de sua realidade, cultivando  geografias imaginárias, entidade fabulosa, animais imaginários, mundos ideais, labirintos, livros etc. Antes de ser escritor, era leitor. Viveu cercado de livros desde a infância. Mas Borges pode parecer bem mais acessível que parece.Nunca acredite no que ele diz, pois faz citações falsas, menciona escritores que não existem. É um escritor de textos alheios. O conjunto de contos O Aleph, juntamente com Ficções, trazem contribuição fundamental para a literatura universal.

O Aleph: neste conto, temos Borges lidando com o tema da universalidade, pois um episódio nos leva a este ponto onde se pode enxergar todo o universo. O personagem do conto passa a visitar anualmente a casa da falecida Beatriz Viterbo, no dia do aniversário dela, até ser informado de que a casa seria demolida. Ele fica, então, sabendo da existência de uma esfera mágica, um Aleph, um dos pontos do espaço que contém todos os outros pontos. Curiosamente, a esfera mágica que contém o Aleph está  no décimo nono degrau da estreita escada que leva ao porão que fica sob a sala de jantar da casa de Beatriz Viterbo. O protagonista  não faz nenhuma tentativa de evitar a demolição  da casa, pois percebe, sem dúvida, que depois da morte da amada, ele não tem nenhuma esperança de tornar verdadeiramente sua a visão do Aleph.

Os Teólogos: dois teólogos, Aureliano e João de Panonia, digladiam-se em suas discussões religiosas, o que Borges vai tratando com um humor que pouco aparece em outros contos; por exemplo, no trecho: “Discutiu com os homens de cuja sentença dependia a sua sorte e cometeu a grosseria máxima de fazê-lo com talento e com ironia” . A discussão leva um deles à fogueira, mas eles ainda se encontrarão na eternidade, culminando em um final inesperado.

O Imortal: relata a história de um general romano que sai à procura da imortalidade; fato que o autor aprofunda em suas reflexões filosóficas, como pode ser conferido neste trecho: “Ser imortal é insignificante; com exceção do homem, todas as criaturas o são, pois ignoram a morte; o divino, o terrível, o incompreensível é saber-se imortal”. No entanto, ao deparar-se com sua busca, toda a sua vida é alterada, não bem como ele imaginava.

O fato de ter visto um homem ser baleado num taberna em Santana do Livramento, serviu de mote para Borges criar em O morto a história de Benjamin Otálora, um jovem compadrito (descendente do gaucho rural)  dos subúrbios pobres de Buenos Aires, que mata um rival e foge para o Uruguai, onde entra para o bando de vaqueiros e contrabandistas liderado por um brasileiro chamado Azevedo Bandeira. Em um ano, aprende as habilidades de um gaucho. Estimulado por um sentimento novo de liberdade e poder, ele aspira superar Bandeira na liderança do bando. Para isso, faz amizade com um capanga de Bandeira, Suárez, e lhe diz de seu plano, recebendo uma promessa de ajuda em sua rebelião contra o velho chefe. Otálora desobedece então às ordens de Bandeira, dá aos homens contraordens e até dorme com a concubina do chefe, uma mulher com cabelos ruivos resplandecentes. Uma noite, no entanto, Bandeira desmascara o caso de Otálora com a ruiva e seu capanga e atira a sangue frio no usurpador.

O impulso misógino da história é inequívoco em Emma Zunz. Emma quer vingar seu pai, que se suicidou depois de ter sido acusado falsamente de desfalque. Maquina então um plano para matar o ex-sócio do pai, responsável por sua desgraça. Ela se prostitui com um marinheiro num bordel e depois mata a tiro o ex-sócio sob o falso pretexto de que tentou estuprá-la. Borges retrata uma mulher jovem presa num labirinto de contradições sexuais.

A Intrusa foi transposto para o cinema em 1979, dirigido por Carlos Hugo Christensen, com José de Abreu, Arlindo Barreto e Maria Zilda. Borges criticou a leitura equivocada do diretor, reduzindo a relação dos dois irmãos a um caso de homossexualidade, que não está presente no conto.  A história se passa no ano de mil oitocentos e tanto, no pampa argentino, onde os irmãos Nielsen, Eduardo e Cristián, viviam comungando a mais completa solidão. Eram tidos como perigosos malfeitores, chegados a farras e brigas violentas. Seus episódios amorosos davam-se em casas suspeitas. As coisas mudam, quando Cristián leva uma mulher para o rancho, como sua amante. A partir daí, a relação dos dois esfria. Eduardo torna-se gradativamente mais irritadiço. Até que um dia Cristián avisa ao irmão que ia para uma farra e deixava a mulher para ele usá-la como quisesse. Assim, a mulher passou a atender aos dois com uma submissão animal, mas não escondia alguma preferência a Eduardo. Um dia, puseram-se  os dois a conversar e decidiram vender Juliana a um prostíbulo. Assim, voltavam a renovar sua vida antiga de homens entre homens. Tempo depois, foi cada um para um lado resolver problemas particulares. Foi quando Cristián, dirigindo-se ao prostíbulo onde venderam Juliana, encontrou o irmão sentado na fila esperando sua vez. Decidiram que era melhor levá-la de volta à casa, "para não cansar os cavalos". Voltaram, assim, ao que já se disse, até o dia em que Cristián comunica ao irmão, que matara a mulher, para não lhes causar mais danos. Assim, abraçaram-se, quase chorando. Agora os unia outro vínculo: a mulher tristemente sacrificada e a obrigação de esquecê-la.

Tradução de Flávio José Cardozo
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Jorge Luís Borges. O Aleph. 3 ed., Porto Alegre, Editora Globo, 1978, 146 p.



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