domingo, 2 de abril de 2017

46. O Quarteto de Alexandria

O Quarteto de Alexandria é a história da vida e amores de um jovem britânico, Darley, que vive no Egito antes e durante a Segunda Guerra Mundial. Darley tem casos de amor com três mulheres: Justine, Melissa e Clea. Lawrence Durrell (1912/1990) acreditava na ideia de que experimentando as variedades de amor, se poderia ascender do contato físico cru para formas superiores de conexão espiritual. Assim, cada uma das principais personagens incorpora um ou mais aspectos do amor ocidental. Justine representa o poder da paixão sexual, Melissa, afeto de caridade,e  Clea, a alma gêmea de Darley. Mas, o que se percebe no desenrolar dos quatro romances, é que o amor  está falido, os personagens procuram, mas não conseguem encontrar relações apaixonadas. Embora centrada nas relações humanas, há um foco paralelo, menos intenso, centrado nas relações políticas da região, ocupada pela Inglaterra, com o Egito e outros países árabes buscando sua independência.


Justine

No início de sua vida em Alexandria, Darley conhece Melissa dançando em um cabaré. Passam a viver juntos numa pobreza profunda, pois sua renda exígua como escritor não permitia nem mesmo frequentar o cabaré onde Melissa trabalhava. Com o tempo, conhece Nessim, rico empresário, e através dele começa a transitar com alguma desenvoltura pela imensa teia da sociedade alexandrina como convidado. Ficaram amigos rapidamente e passou a acompanhá-lo nos mais diversos lugares. Desde então, conhece a esposa de Nessim, Justine, por quem se apaixona profundamente.

Com o desenrolar da história, ficamos sabendo que Justine fora violada na adolescência, tivera uma filha que se encontra desaparecida, estivera casada com um velho rico, de quem se separou logo em seguida. Depois, casou-se  com Nessim, também mais velho que ela. Darley torna-se amante de Justine. O incômodo desse relacionamento, é que quanto mais ele tentava amá-la e compreendê-la, mais distante ela se tornava dele. Ele descobre que Justine tinha outros amantes, inclusive um relacionamento rápido com Cléa, uma pintora aristocrática. Um dia Justine desaparece da vida de todos. Mais tarde, Clea conta que, numa viagem que fizera a Síria, parara em Israel e encontrara Justine, trabalhando num kibutz. Paralelamente, Melissa conta a Nessim, que Justine mantinha um caso com Darley. Esperançoso de que a mulher um dia voltasse a ele, pede a ela que mantenha esse fato em segredo.

Melissa acaba doente e morre, deixando uma filha pequena que tivera com Nessim. A história termina onde começa, com o narrador chegando a Alexandria para o enterro de Melissa, passando a adotar a menina.


Baltazar

Publicado em 1958, representa uma mudança de ângulo, em relação a Justine, divulgando novas informações que mudam a história do caso de amor do narrador com Justine. Este segundo volume, apresenta a história vivida por eles sob o ponto de vista de Balthazar,  personagem discreto no volume anterior. Era em sua casa que a intelectualidade de Alexandria costumava se encontrar de vez em quando.

A novela começa como no romance anterior. Darley encontra-se isolado numa ilha grega com a filha de Melissa, buscando colocar em texto  o que Justine, Melissa e Clea representam para ele. Enquanto terminava o livro, não mais enxergava suas amantes e seus amigos como pessoas vivas, mas como imagens coloridas de sua mente, habitando seu manuscrito. No entanto, quando escreveu seu esboço, não dispunha de todos os fatos, deduzindo, muitas vezes, através de suposições.

De repente, recebe uma carta de Balthazar, afirmando que tem um manuscrito com verdades reveladoras a respeito de todos. Até então, Darley encontrava-se mergulhado nas revelações dos diários de Justine, revelados pelo seu primeiro marido. Assim, avisa ao escritor que lhe enviará seu manuscrito sobre os acontecimentos que o cercaram.
Darley recebe os manuscritos diretamente de Balthazar, repleto de observações manuscritas nas margens do texto. Após a curta conversa que tiveram, Balthazar parte com o amante, deixando-lhe um grande problema: como encontrar uma maneira de introduzir esse material novo e perturbador sob a pele do antigo, sem modificar ou destruir os contornos que dera a seus personagens.

Nas observações de Balthazar, Justine saíra do nada, forçando-se a trabalhar por um tempo como modelo para os estudantes de um ateliê, ganhando uns cobres por hora. Clea, certo dia,  passou pela galeria e ficou impressionada pela  beleza sombria e alexandrina de seu rosto e contratou-a para um retrato. Logo depois, deu um golpe astuto, casando-se com Arnauti, um estrangeiro, apenas para ganhar o desprezo da sociedade ao permitir que ele a abandonasse. O dois tiveram uma menina, a quem não davam bola. Certo dia, ela e o marido estavam com a filha junto a um lago, quando a menina desapareceu, sendo encontrada depois afogada. O fato marcara profundamente a vida dos dois, Justine justificava aos demais que a filha havia sido sequestrada. 

Justine e Arnauti separam-se e logo em seguida Nessim, que já era apaixonado por ela, busca aproximar-se para casarem e viverem juntos. Ele não se importa que ela não o ame, partindo para visitar a família e comunicar à mãe, Leda, o desejo de casar-se com Justine. A mãe era uma mulher fútil, amante de um diplomata mais jovem, 

Mountolive, que irá protagonizar o terceiro volume da tetralogia. Leda, apesar da ressalva a Justine pelo fato dela ser judia, concorda com o casamento. Nessim tinha um irmão que administrava os bens da família no interior, Nahriz, um homem complexado por ter o lábio leporino. Nariz apaixona-se por Clea.  Buscando saber mais informações sobre o paradeiro da filha de Justine, Nariz procura uma espécie de feiticeiro árabe, que tem uma visão de que a filha de Justine encontrava-se com ela e o marido em um lago e a menina desaparecera nas águas.


Mountolive

Publicado em 1958, é o terceiro volume da série.  Nele, Lawrence Durrell apresenta os fatos de Justine e Balthazar através de uma perspectiva nova, com um narrador em terceira pessoa, que conta a vida do embaixador britânico Mountolive, que esteve por duas vezes no Egito, especialmente em Alexandria. O romance apresenta certo clima de romance policial, onde há complôs, traições e mortes, além de um impasse diplomático, envolvendo o Reino Unido, o Egito e a Palestina. Não nos esqueçamos que a trama dos quatro romances ocorrem antes da Segunda Guerra Mundial, quando o Estado de Israel ainda não havia sido demarcado.

Mountolive esteve pela primeira vez no Egito com a intenção de estudar melhor a língua árabe, já que poderia ser útil pela embaixada britânica futuramente ali. Quando chega, entra em contato com a família Hosnani,  coptas (egípcios cristãos), donos de grandes posses. Convidado pelo pai de Nessim a permanecer aquele tempo em uma de suas propriedades, para manter o contato com a língua mais estreito, Mountolive aceita e acaba sendo amante de Neila, mulher do patriarca, este paralítico. O embaixador fica sabendo que o casamento dela com o marido, bem mais velho, fora arranjado, para unir a fortuna das duas famílias. Através de conversas com Nessim, toma conhecimento de que os coptas encontravam-se oprimidos pela soberania dos muçulmanos no país, sublimando sua cultura cristã.

Mountolive retorna à Inglaterra e depois de prestar serviço em outro país, é nomeado embaixador no Cairo. Em seguida, recebe o relatório de um tal de Maskelyne, membro da embaixada britânica, denunciando uma conjuração copta contra o governo egípcio, comandada por Nessin Hosnani. Em conversa entre os dois, sobre o relatório, toma conhecimento de que os Hosnani não eram muito confiáveis. Nessin estaria contrabandeando armas para a Palestina, para prover Israel de um futuro levante. Para isso casara-se com a judia Justine, com o fim de trabalhar melhor o complô e manter contato mais direto com Israel.

Através de Mountolive, ficamos sabendo que Nessim estava sendo monitorado, em relação ao complô contra os árabes. Também sabemos que Marley foi usado por Justine e Nessim para controlar Melissa, amante de Marley e que tivera um caso com alguém que conhecia as tramoias sobre a insurreição copta. Naruz, irmão de Nessim, ameaça os planos do irmão, incitando os coptas do campo a formarem um exército para tirar do poder os egípcios muçulmanos. Isso soou como uma ameaça aos planos do grupo e Naruz acaba sendo morto.


Clea

Darley, novamente o narrador do quarto romance, recebe o convite de Nessim e Justine para voltar a Alexandria, para que o casal possa ver a menina. A Segunda Guerra já se iniciara. Ao desembarcar no porto, é recebido por soldados britânicos que lhe dão ordem de se encaminhar à embaixada. Como o escritor deixara partes de seus pertences lá, não se opõe à ordem. Ainda no porto, é recebido por um Nessim diferente, havia perdido um olho e um dos dedos da mão e vestia um uniforme. O egípcio o convida para irem ao solar, onde se encontra Justine. Durante o jantar, sente uma atmosfera pesada, onde é possível sentir o ódio entre Nessim e Justine. Fica, então, sabendo que Nessim vivia em liberdade vigiada, desde que sua conspiração fracassara, e Justine vivia presa no Solar.

Quando Justine e Darley ficam a sós, ela lhe questiona como pode ele perdoar a traição dela, sem guardar rancor. Enquanto ela fala, ele fica pensando que sua Justine havia sido realmente a criação de um ilusionista, sustentada por uma estrutura defeituosa composta de palavras, ações e gestos mal interpretados. O verdadeiro responsável pelo que acontecera entre os dois, era seu amor, que inventara uma imagem da qual se alimentou. O perfume inebriante que ele sentira nela, agora era insuportável. A imagem outrora magnífica de seu amor se esvaíra. Tornara-se, enfim, uma mulher asquerosa e gasta, como se um portão de ferro se fechasse entre eles.

Justine lhe conta que quando o plano deles sobre a Palestina ruiu, os judeus o acusaram de traição com os ingleses, e  em seguida ele se dirige à embaixada britânica e recebe, contrariado, a notícia de que o embaixador Mountolive o havia nomeado para trabalhar no departamento de censura da embaixada. Depois, encontra Clea e tornam-se amantes. Através dela, o escritor reencontra Balthazar, velho e amargurado pela velhice e a solidão numa Alexandria, envolta numa atmosfera de apreensão e nostalgia, sofrendo as consequência da Segunda Guerra Mundial.

Clea reúne as peças que faltavam ao quebra-cabeça, possibilitando compreender a totalidade da narrativa. O romance  se constitui no desfecho da tetralogia de Lawrence Durrell. Se nos três romances anteriores, a mesma história é vista de três pontos de vista diferentes, em Clea temos a continuação, pelo avanço do tempo.

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Lawrence Durrell. O Quarteto de Alexandria. 4 volumes. Rio, Ediouro, 2006. Tradução de Daniel Pellizzari

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