domingo, 30 de abril de 2017

50. Cem anos de solidão

Quando tinha 8 anos de idade, o avô de Gabriel García Márquez levou-o a conhecer o gelo. Esse acontecimento, que ele relembra em suas memórias de Viver para contar, serviu de ponto inicial para a sua obra-prima Cem anos de solidão, quando o coronel Aureliano Buendía, diante do pelotão de fuzilamento, relembra a tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. A obra é um resgate dos fantasmas que povoaram a vida de García Márquez durante sua infância. Muitas das personagens encontram similitudes na vida real do autor, como ele conta em O cheiro da goiaba, outro livro de lembranças do escritor colombiano.

Publicado em 1967, embora tivesse escrito antes, foi o ponto de partida para o boom dos cinco maiores da literatura latino-americana, que ganhou notoriedade mundial: García Márquez, Vargas Llosa, Carlos Fuentes, José Donoso e Júlio Cortázar. Posteriormente, outros juntaram-se ao boom: Miguel Ángel Astúrias, Alejo Carpentier, Juan Rulfo, João Guimarães Rosa, Juan Carlos Onetti, Borges (um pouco mais isolado). Começa a existir, assim, o sentimento de latino-mericanidade. As obras desses autores passam a configurar o realismo mágico, que não se deve confundir com o realismo fantástico. Esse é uma alegoria, enquanto o realismo mágico resulta de um tipo de consciência mítica do mundo. Os personagens desses romances, de certa forma, sacralizam o mundo. Seus destinos já estão marcados desde o nascimento. Esse tipo de característica é pertencente às sociedades arcaicas.

Em Cem anos de solidão, José Arcádio, o patriarca da clã dos Buendía,  tem predileção por descobertas e pelo esoterismo. Trava conhecimento com o cigano Melqúiades, que lhe ensina a magia, ao mesmo tempo em que escreve em uma língua desconhecida os documentos que serão traduzidos por um descendente da família. Na verdade, é Melquíades que escreve os cem anos de solidão da família Buendía. José Arcádio acaba morrendo amarrado a uma amendoeira, louco. Aureliano Buendía, um de seus filhos, é introvertido, apresenta uma imagem taciturna e frágil. O pouco de felicidade que teve na vida, foi quando se apaixonou por Remédios, uma criança. Foi preciso que esperasse a menina adolescer para que se pudesse casar com ela. Ela morre em seguida, quando tenta dar à luz. Depois tem relação com Pilar Ternera, uma índia que jogava cartas e búzios. Figura centenária em quase toda a obra. A descendência dos membros da família apresenta relações incestuosas. Por isso a loucura se manifesta em mulheres solitárias e secas, como Rebeca, que comia terra, Amaranta, que recusou todos os pretendentes apesar de amá-los. Úrsula, a matriarca, temia que nascesse alguém com rabo na família, o que acabou acontecendo com o último dos Buendía, um Aureliano.

O Coronel Aureliano Buendía teve seus primeiros contatos com as tensões políticas,  com as eleições que aconteceram em Macondo. É quando aprende a distinguir um liberal de um conservador. Acaba simpatizando com os liberais. Ser liberal não consistia em ser um ser com lisuras, Aureliano Buendía praticava a violência com seus inimigos e a corrupção, pelo poder. Aureliano será um dos que lutam na Guerra dos Mil Dias, que ocorreu no período de 1896 a 1902, na Colômbia, quando os conservadores vencem. Há um longo período de ditadura, onde os liberais são perseguidos. Na vida de García Márquez, seu avô simpatizava com os liberais, mas seu pai era político conservador. Por isso não há defesas de um regime ou de outro.

Aureliano morre numa tarde solitária de outubro, passando a ser uma lenda viva para todos de Macondo e arredores. Morreu velho, triste, taciturno e ensimesmado, exatamente como fora na juventude. O ciclo do Coronel Buendía é um ciclo de solidão, que acaba dando nome ao livro. Os 17 filhos que teve com 17 mulheres diferentes, todos Aurelianos e Arcádios alguma coisa, todos assassinados, todos com um ar de solidão que não permitia pôr em dúvida o parentescos com o coronel Aureliano Buendía.

É um livro riquíssimo, com várias histórias que se cruzam e se mesclam formando o todo do universo de Cem anos de solidão.
     
Tradução de Eric Nepomuceno
==================
Gabriel García Márquez. Cem anos de solidão. 46ª ed, Record, 2009, 448 pp. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário