domingo, 9 de abril de 2017

47. O Gattopardo

A Sicília é o pano de fundo para o grande romance O Gattopardo,  obra póstuma de um escritor desconhecido dos grandes meios literário, Tomaso di Lampedusa (1896/1957), que morreu antes da obra ser publicada. Oriundo da classe aristocrática, Lampedusa narra o declínio e a decadência de uma família nobre e do feudalismo siciliano, numa atmosfera pitoresca e grandiosa.

A história começa em 1860, na guerra em que Garibaldi une as duas Sicílias, propiciando o surgimento e enriquecimento da classe burguesa, formando uma nova Itália. Em seu palacete na vila de Salina, em Palermo,  acompanha os fatos com certa apreensão, por estar totalmente envolto nas tradições e hierarquias. Por isso, vivia eternamente descontente, contemplando o ruir de sua casta e do seu patrimônio sem nada fazer e sem nenhum desejo de remediar o desastre que se vislumbrava no ambiente político da Itália. Em vez disso, pensava na linda família que tivera. Tinha sete filhos, um deles, o mais amado, estava ausente há dois anos. Um dia sumira de casa e nada se soube dele durante dois meses. Até que chegara uma carta de Londres, em que se desculpava pelos transtornos causados, afirmando preferir a vida modesta de funcionário de uma empresa de carvão à existência excessivamente protegida nos confortos de Palermo. O príncipe tinha a esposa com crises de histerismo, excessivamente pudica - nunca lhe vira o corpo desnudo

Próximo à propriedade dos Salina, havia uma vila semidestruída, pertencente a Tancredi, seu sobrinho e pupilo. Seu pai perdulário dilapidara toda a fortuna, morrendo em seguida, quando Tancredi tinha 14 anos. O rapaz, inicialmente quase um desconhecido, tornara-se muito querido do Príncipe, que percebia nele um entusiasmo briguento. Agora, aos vinte anos, Tancredi entregava-se ao ócio e aos prazeres com o dinheiro que o tutor não lhe negava, mesmo tendo de tirá-lo do próprio bolso. O sobrinho  acaba simpatizando com a causa de Garibaldi, lutando a seu lado. Isso desagradou o príncipe, que no entanto não deixou de amá-lo.

A situação política na região estava muito tensa, temia-se a invasão de piemonteses próximo a vila Salina e as autoridades haviam detectado na população uma efervescência silenciosa, a escória da cidade esperava o primeiro sinal de enfraquecimento do poder para lançar-se ao saque e ao estupro. Mas o príncipe preferia não pensar nesses acontecimentos. Mantendo a calma, pediu permissão a Giuseppe Garibaldi para viajar à região de Ragusa, na vila de Donnafugata, onde tinha outro palácio, igualmente suntuoso.

Lá chegando, trata de dar uma festa solene para saudar a nobreza do lugar. Lampedusa descreve em detalhes primorosos a preparação do banquete, desde a arrumação da mesa, o lustro das louças e a decoração da sala, deixando no leitor imagens completas do ambiente. O momento da entrada de Angélica, filha de Don Calógero, um aristocrata arruinado, é outro momento brilhante da narrativa.

Tancredi toma-se de amores por Angélica e os dois acabam casando, para desgosto de Concetta, filha do Príncipe, apaixonada pelo jovem. Há uma série de acontecimentos importantes, até  o príncipe voltar a Palermo, quando a cidade vivia de relativa calma e os bailes pela cidade se multipicavam. O Príncipe comparece a um desses bailes, na companhia de Tancredi. Em certo momento, sofre um mal súbito e é retirado do baile pelo sobrinho que busca levá-lo a um hospital, mas param num hotel decadente para que Don Fabrício pudesse descansar um pouco. O príncipe piora e acaba morrendo pouco depois.

Nos sete primeiro capítulos, os acontecimentos se dão em curto espaço de tempo, no mesmo ano, 1860. No oitavo e último capítulo, há um salto de 50 anos após a morte do Príncipe. Estamos em 1910 na residência da família, onde as três filhas remanescentes e solteiras, Concetta, Catarina e Caterina, recebe a visita de Angélica, já viúva, para confortar as três irmãs profundamente ofendidas pela inspeção da sua capela  por um membro da Igreja, que considerou relíquias que elas tanto amavam, como objetos descartáveis para ornamentar o local. Quando ficam a sós, Concetta retira-se para seu quarto, amargurada pelo amor não correspondido de Tancredi.

Tradução de Marina Colasanti

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Giuseppe Tomasi di Lampedusa. O Gattopoardo. 2ª ed., Rio, Record, 2006, 306 pp.

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