domingo, 19 de junho de 2011

A caixa de Pandora


Acabei recentemente a leitura de Os trabalhos e os dias, de Hesíodo, com tradução, introdução e comentários de Mary de Camargo Neves Lafer. Trata-se de um poema curto, onde o filósofo grego mostra-nos os fundamentos da própria condição humana e deixa transparente que o trabalho é a base da justiça entre os homens, abordando a organização do mundo dos mortais, sua origem, suas limitações, seus deveres. No poema, o relato central da narrativa é o mito de Prometeu e Pandora. Prometeu, um semideus, vivia em perfeita harmonia com Zeus, o deus dos deuses, até o dia em que o titã, num dos sacrifícios, engana Zeus, oferecendo-lhe ossos com gordura de um animal, em vez da carne. Revoltado, Zeus não concede mais o fogo aos mortais. Como Prometeu era astuto, rouba o fogo celeste e o oferece aos homens. Como resposta, Zeus dá-lhe de presente uma mulher, Pandora, o belo mal, o bem e a causa da desgraça para os homens (Prometeu rejeita o presente e sofre consequências trágicas, conforme abaixo). Com ela, instaura-se de forma definitiva a condição humana. Hesíodo situa o aparecimento da mulher com o surgimento de todos os males humanos. Pandora não é somente o mal em si, mas através dela surgem todos os males para os homens. Até então, os homens não precisavam trabalhar para viver. Com o rompimento entre deuses e homens e o surgimento da mulher mortal, acontece a separação entre deus e homens. Surge a sexualidade entre os mortais. Inicia-se a era da cultura. Lembremo-nos de que Prometeu era o criador pelo intelecto, ao contrário de Zeus, que era o criador pelo espírito.
Quem era Pandora? Uma mulher belíssima criada por Zeus com a ajuda de outros deuses, para presentear Prometeu, que astutamente a recusou. Como vingança, Zeus mandou acorrentá-lo a uma coluna na montanha, onde um abutre lhe devoraria o fígado durante o dia, ano após ano. Seu tormento seria eterno: todas as noites seu fígado se regeneraria para ser devorado no dia seguinte. O irmão de Prometeu, Epimeteu, alarmado com o castigo, casa-se com Pandora. E o que faz Pandora? Curiosa, acaba abrindo um jarro (algumas versões do mito mencionam uma caixa) que Prometeu havia dado ao irmão, com a advertência de não abri-lo, pois dentro dele estavam encerrados os males que podiam afetar a raça humana: a velhice, o trabalho, a doença, a loucura, o vício, a paixão. Apenas a esperança, que Prometeu havia capturado no vaso, não saiu. Não se tem uma idéia muito clara do porquê estar a esperança, entre os males enclausurados.
O tarô mitológico vê Pandora de uma forma reconfortante. Pandora é a estrela, a que simboliza a esperança. Representa o lado feminino da natureza humana: o instinto, o sentimento, a imaginação e a intuição que devem nortear as pessoas para a verdade. A esperança de que fala o tarô mitológico, está ligada a algo profundo dentro do ser humano, que muitas vezes chamamos de força para viver. Pandora, a esperança, oferece a fé. Na carta do tarô, o olhar de Pandora está fixo não na infelicidade da condição humana, mas na certeza irracional e inexplicável de que muito em breve uma nova luz brilhará.
Se me permitirem uma interpretação psicológica, o jarro, ou a caixa de Pandora, representam todas as coisas que nos incomodam e amedrontam e que guardamos dentro de nós. Quando liberadas, trazem a esperança de uma vida melhor. Pandora representa uma parte do ser humano que, a despeito das frustrações e desapontamentos, da depressão e das perdas, ainda tem forças para se agarrar ao sentido da vida e ao futuro que poderá superar a infelicidade do passado.
Voltando a Hesíodo, os gregos antigos foram malvados demais com as mulheres, não acham?
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Robert Graves. O grande livro dos mitos gregos. SP, Ediouro, 2008
Hesíodo. Os trabalhos e os dias. SP, Iluminuras, 2009
Sharman-Burke & Greene. O tarô mitológico. SP, Siciliano, 1988,15ª Ed.

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