sábado, 4 de junho de 2011

Júlia

O vento voa
a noite toda se atordoa,
a folha cai.
Haverá mesmo algum pensamento
sobre essa mesma noite? sobre esse vento?
sobre essa folha que se vai?


O poema de Cecilia Meireles remete à chegada da morte: vento, mistério, movimento, passagem da vida. Noite, escuridão, insegurança, medo. Folha, corpo, desprendimento. O eu-lírico se pergunta, existirá pensamento nesse exato momento em que as coisas acontecem e a vida se desprende do corpo? Experimentaremos esse desprendimento no momento exato em que se dá o fim? E depois do fim?
Imagino que a morte seja como o sono sem sonho. Aquele momento de horas em que a gente apaga e acorda com o sonho, na morte é o apagar total. Como a escuridão total. A gente desliga e não há memória, não há mais o tempo, não há mais o ciclo.
Tenho temor à morte. Isso que algumas pessoas dizem, de que gostariam de morrer dormindo, porque daí não sentiriam nada, não sentiriam dor, não saberiam que estariam morrendo... Não sei se esse ato derradeiro seria a melhor maneira de morrer. Nesse momento, talvez eu gostasse de estar vivo para sentir o momento exato: estou apagando. Fim. Tomara que, quando estiver bem velhinho para esse acontecimento, o medo da morte tenha diminuído. Teria aceitado a vida com todas suas conseqüência e limitações. No momento presente, ainda quero fazer mais, muito mais (mesmo que seja o prazer de não fazer nada!). Ainda não li todos os meus livros e quero reler muitos dos que já li. E tenho uma lista enorme de outros tantos para adquirir! Este é um exemplo de muitos outros. Sinal de que a vida vale a pena e não gostaria de deixá-la.
Será que a maturidade que a velhice trará vai me ajudar a resolver esse enigma do medo da morte? Talvez me traga dissabores que me farão modificar essa tendência? Quanto mais envelhecemos, mais “enferrujamos” nosso corpo. Mais doenças, depressões... Não sei. Sinceramente não penso que minha velhice maior será dessa forma. A maneira como me cuido hoje é um objetivo de eficácia para uma velhice menos rabujenta. Entretanto, sabe-se lá a forma como o vento voará no momento, como será a agitação da noite, o desprendimento dessa folha que se irá...
Sou atrapalhado para decifrar inteiramente esse enigma. Ainda é cedo pra isso? Sim, mas trata-se de um dos enigmas da vida. Tenho uma irmã muito querida que está nesse “atordoamento” da noite em relação ao vento, em relação à folha. Ela cuida com dignidade da folha, para que não se desprenda pelo vento. Já venceu muitas turbulências em relação a isso. Ganhou todas. Está segura ainda, e sempre. Já tive vontade de perguntar a ela como se lida com a presença da morte tão perto. Não tive coragem. Disse que ela enfrenta com dignidade e perseverança esse tempo, mas ela pode estar com medo, angustiada, inconformada e esconde isso no silêncio. É que nela não vejo o medo que eu penso que possa sentir num momento como esse. Nela, vejo não resignação (e até possa ser isso), mas a vontade de continuar. E ela avança. Está avançando. Que o vento voe e a folha permaneça presa ao caule mais, bem mais, muito mais. Sem sofrimento!
O poema Epigrama nr. 9 encontra-se no livro Viagem, de Cecília Meireles.

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