domingo, 12 de junho de 2011

Inverno

Eu adoro o inverno, com dias de céu azul e alguma elevação da temperatura pela tarde, que é quando a gente pode lagartear com casaco, manta, luvas, calça e meias de lã, comendo bergamota. Não uso gorro, me dá comichão na cabeça. Faço uso da manta para proteger as orelhas e o nariz. A manta serve também para filtrar o ar que respiro. O frio nos prende mais em casa. Isso é tão bom! Ficar deitado numa cama com um cobertor de lã e dois travesseiros embaixo da cabeça, ouvindo fone de ouvido ou lendo um livro. Vendo televisão com o split da sala ligado a 27 graus! Inverno também é tempo de receber pessoas, tomar chocolate quente, um vinho tinto com massa à bolonhesa, uma sopa de anholine ou um caldo de legumes com torradas. Inverno é movimento de poucas pessoas reunidas, para que o calor da conversa aqueça a todos e ninguém fique de fora. O inverno marca um traço do espírito do gaúcho. Essa proximidade que temos com Uruguai e Argentina tem muito a ver com o frio. Pena que pelos nossos pagos não possamos ter a mesma infra-estrutura dos castelhanos para enfrentar o frio, especialmente em relação à calefação de lugares públicos, como cafés e restaurantes, por exemplo.

Eu preciso ser egoísta para gostar do inverno. Não preciso enxergar que há pessoas que padecem de frio, com a falta de bens materiais para enfrentá-lo. Há os que ainda vivem com o banheiro fora de casa. Imagine tomar um banho de chuveiro elétrico em condições precárias, às 5h30 da manhã. Menos, imagine sair da cama às 5h30 com um frio de menos 10 graus. Ir para a parada de ônibus e esperar indefinidamente o ônibus para o trabalho. Há os que moram em casas de madeira, que não guardam o calor necessário para que se sintam bem. E os que moram na rua? Com sapatos furados e pés sem meias. Morrendo de frio. É penoso o inverno quando se pensa assim. Há também os que têm boas condições financeiras para enfrentar o frio, mas os pés e as mãos estão sempre gelados. Há os que se deprimem com o frio, ficam melancólicos.

Eu, que durmo até às dez da manhã, não preciso mais trabalhar, tenho condições de ter um chuveiro caudaloso a gás, split na sala e nos quartos, talvez pudesse me dar ao luxo de pensar no meu prazer com relação o frio, deixando os outros que resolvam seus percalços. Mas não é bem assim. Passei 35 anos acordando às seis da manhã, já tive banheiro fora de casa nos primórdios de minha vida de trabalhador. Hoje, tenho tudo ganho com o esforço de meu trabalho. Para usufruir desse conforto e ser feliz, deveria fechar os olhos aos que sofrem o frio rigoroso de uma madrugada gelada. Aos que não conseguem um emprego decente para enfrentar a temporada gerada da terra gaúcha. Aos que amam o calor e sofrem física e psicologicamente as agruras no meio do frio. Minha alma socialista não me faz sentir culpa, tracei esse caminho com muito suor, também. Me faz sentir solidário, ter senso crítico em relação às diferenças. Minha ajuda aos que padecem de frio vai além do mero ato assistencialista. Mas ainda não está suficiente para melhorar o geral. Isso não depende só de mim.

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