domingo, 26 de junho de 2011

Três poemas de Cecília Meireles

Nesta semana comprei um lote de CDs maravilhosos. Entre eles, o disco de Nélson Freire gravado em Londres em 2010: Chopin The Nocturnes. O som límpido e cristalino do piano fustigou meu sentimento e a vontade de ler a poesia de Cecília Meireles com fundo musical.
A poesia de Cecília Meireles me encanta especialmente pelo poder da metáfora, de criar imagens cristalinas da alma humana, na maioria das vezes sem um tom alentador, posto que o tema central de sua obra é a solidão. Na solidão de si mesmo, o eu-lírico (grosso modo, o eu-lírico seria o equivalente do narrador no romance. Não é o poeta que fala, mas um eu-lírico com o qual nos identificamos ou não) questiona a dimensão humana em várias de suas nuances. No livro Ou isto ou aquilo, com poesias infantis, alguém, uma criança?, questiona a dificuldade de se querer tudo o que se deseja ao mesmo tempo. Leia essa beleza de poema:

Ou isto ou aquilo

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

Quando crianças, aprendemos a conhecer os limites que vão afunilar nossa existência até o final de nossos dias. Mas a criança não quer saber de limites, ela quer o todo que lhe pode pertencer, o direito a aproveitar a vida do jeito que gosta, fazendo o que lhe der na telha. Seria tão bom se as duas coisas boas pudessem ser curtidas? Entretanto, algo já a perturba metafisicamente: a obrigatoriedade de fazer uma escolha. Por que não se pode querer tudo do que se gosta ao mesmo tempo? À medida que crescemos, continuamos fazendo escolhas a contragosto, deixamos coisas boas de lado, também. Faz parte da vida.

No livro Viagem/Vaga música, temos o poema Canção, em que podemos nos deliciar com o brilho das metáforas. Leia e sinta o significado de sonho, navio, mar e naufrágio na vida de uma pessoa:

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

O que representaria a figura de um navio? Um deslocamento, uma distância vencida, a busca da realização de um sonho, o distanciamento, a separação, a própria representação do sonho,o que mais? O eu-lírico de que lhes falei constrói um sonho em forma de navio e o põe a navegar, para que naufrague. A figura da água aqui é interessante: pode significar a vida, a purificação, o êxito, Nossas emoções e intuições têm a ver com a água. Água é mãe. A água pode ser o que existe para ser vivido desde o momento em que nascemos, até nossa morte. Também é turbulência, violência, desestabilização, agito, confusão... Tanta coisa! O alto grau de pessimismo de quem canta: o sonho se constrói e não se realiza. Não há perspectiva de sucesso na realização das coisas. Tudo se perde. O sonho que morre sem nascer permanece vivo na lembrança como um trauma (minhas mãos ainda estão molhadas/do azul das ondas entreabertas). O naufragar do sonho se dá por uma atitude do eu-lírico, que abriu o mar com as próprias mãos para por tudo a perder. Em contraposição ao azul das ondas entreabertas, se opõem o vento que vem de longe, a noite que se curva de frio e do afogamento de parte importante da vida representada em sonho desacreditado, impossível de acontecer.

O terceiro poema compreende a terceira etapa da vida: a da aceitação. Compreende também a importância do canto (que pode ser entendido como o poema) como um ofício, o trabalho do poeta:

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

O tempo voa, o tempo passa, e a vida continua a ser cantada em poesia. Compreende também o fazer poesia, através de indagações e da investigação da criação poética. Inicialmente, evidencia-se a fugacidade do tempo e do instante como justificativa do canto para preencher a vida. O eu-lírico distancia o sentir do cantar (não sou alegre nem triste/sou poeta). As coisas lhe são fugidias, efêmeras, inconstantes. O que a imagem do vento representa a você, leitor, no poema?
O poema reflete ainda a dúvida diante da vida: não sei se fico ou passo. E encerra com o estado de plenitude. O poder de cantar, que para a poeta é o poder de fazer poesia, retrata o instante, para eternizá-lo. A poesia é a razão de viver de quem canta.
Assim, querido leitor convido você a dar suas impressões, suas interpretações sobre um ou todos os três poemas como comentário do blog. Vamos lá!

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