domingo, 15 de julho de 2012

Gabriela Cravo e Canela

Jorge Amado era muito bom contador de histórias. Criou caricaturas da sociedade baiana, seja no período histórico do cacau: coronéis, políticos, damas da sociedade, seja nos romances urbanos: o político, o industrial, homens e mulheres da alta classe média de Salvador. Foi um dos poucos escritores com perfil para ganhar o Nobel de Literatura. Seus romances foram traduzidos em inúmeros idiomas, conseguindo sucesso de venda. Homem de esquerda por muito tempo, elegia pessoas do povo para heróis de suas histórias. Pessoas pobres, analfabetas ou quase analfabetas (Gabriela, por exemplo, não fez escola, nem certidão de nascimento tinha). Em Capitães de Areia eram os meninos de rua; em Teresa Batista, uma prostituta, em Jubiabá, um pai de santo. Não foi um romancista dos mais primorosos em relação a sua técnica narrativa. Muitas de suas histórias carecem de soluções melhor elaboradas. Alguns conflitos se resolvem de forma piegas e simplista. Entretanto, sua prosa é viva e saborosa. Com a regravação da novela Gabriela, resolvi relembrar a Gabriela do romance, relendo o livro cuja leitura havia sido feita há 37 anos, no curso de Letras.
Gabriela é mulata, “nada mais era que uma pobre moça, quase menina ainda”, “seria uma criança, não fossem as ancas largas”. A moça tem 21 anos. Aparece na história lá pela página 80, quando vem fugida da seca para Ilhéus. Quis o destino que ela encontrasse o sírio Nacib, que nesse mesmo tempo estava precisando urgentemente de uma cozinheira para seu bar, o Vesúvio. Depois de muito procurar, encontra Gabriela na praça central, no lugar onde antes ficavam os escravos à venda e onde agora estava ela, juntamente com outros retirantes, à espera de que alguém os empregasse. Além de bela, sensual e comunicativa, Gabriela era talentosa na cozinha. Logo conquistou a confiança e o amor de Nacib. Ele, entretanto, zela pela moral. Quer casar, Gabriela reluta, mas cede. O casamento oficial dura cinco meses. Nacib ama Gabriela, mas não se acha um diabo qualquer. É amigo de gente influente na política local. Quer introduzi-la na vida social, fazê-la conduzir-se como uma senhora da sociedade de Ilhéus. Obriga-a a usar sapatos, chama-lhe a atenção para não falar alto no cinema, não mostrar intimidade com as empregadas, não rir debochada para qualquer um, como fazia no bar, não usar mais rosa atrás da orelha, quando saem juntos. Afinal, comprara-lhe vestidos de seda, chapéus, até luvas. Dera-lhe anéis e colares. Queria-a tão bem vestida como a senhora mais rica, como se isso apagasse seu passado. Gabriela, com isso, encolhe-se, perdida. Moça sem instrução, gosta de andar de pés descalços, é comunicativa, simples, uma moça desencanada, capaz de deitar com um homem por vontade, sem preocupar-se com os conceitos morais que possam fazer dela. Acaba traindo Nacib. O casamento é anulado. Os dois voltam às boas, quando os preceitos morais ficam de lado e o amor renasce livre e verdadeiro.
O romance se dá em um período curto de tempo, no ano de 1925. A história de O romance divide-se em dois focos principais: Gabriela e disputa política. Sua vida com Nacib serve para costurar os acontecimentos sociais e políticos de Ilhéus, em pleno esplendor do cacau. Grandes proprietários de terras passam a ter casas na cidade. Progresso era a palavra que mais se ouvia em Ilhéus e Itabuna naquele tempo. Era assunto nas colunas de jornais, nos bares, nos cabarés. Novas ruas e centros comerciais eram criados. A cidade foi perdendo o ar de fazendeiros montados a cavalo, revólver na cintura, de jagunços que amedrontavam as ruas sem calçamento, de mascates que chegavam e expunham seus produtos nas calçadas. A cidade passa a expor mercadorias em vitrinas coloridas e variadas, multiplicam-se lojas e armazéns. Surgem bares, cabarés, cinemas e colégios. Naquele tempo, doutor não era doutor, capitão não era capitão, assim como coronéis não o eram. Os fazendeiros da lavoura de cacau adquiriam patentes de Coronel da Guarda Nacional. Ficara o costume. Donos de roças de mais de mil arrobas passam normalmente a usar e receber o título que ali não implicava em mando militar e, sim, no reconhecimento da riqueza. Com o crescimento da lavoura cacaueira, Mundinho Falcão, paulista, cuja família comercializava café, vê no cacau da Bahia um caminho novo para enriquecer por seus próprios métodos. De outro lado, o coronel Ramiro Bastos, que mandava na cidade por métodos antigos, vê em Mundinho Falcão um inimigo a ser declarado. A luta dos dois pelo poder político de Ilhéus é o mote da história.
As adaptações feitas do romance para a televisão e o cinema têm seu fundamento. A televisão e o cinema são outras linguagens. Podem alterar ou acrescentar fatos, até envelhecer Gabriela, desde que mantenham seu frescor de juventude e sua sensualidade nativa da Bahia.
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Jorge Amado. Gabriela Cravo e Canela. SP, Cia. das Letras (edição
econômica), 2012, 336 pp. R$ 30,00

2 comentários:

  1. Paulo, amigo querido, como é bom ler tuas crônicas.Adoro tua escrita. Um bjão.

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  2. O mesmo digo eu com as histórias do Meiudo! Bj

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