domingo, 29 de abril de 2012

On the road - pé na estrada

Jack kerouac (1922-1969), assim como Allen Guinsberg e William S. Burroughs, pertenciam à turma conhecida como geração beat, surgida na década de cinquenta (com raízes na década anterior), que estendeu o tapete para o movimento hippie da década de sessenta. Os artistas dessa geração levavam vida nômade, às vezes formavam comunidades. Faziam uso indiscriminado de drogas e álcool e acabaram morrendo cedo. Jack Kerouac foi um deles. Essa turma lancou as bases do que se conhece como contracultura, um movimento de mobilização e contestação social. Walter Salles, cineasta especialista em road movies (Terra estrangeira, Central do Brasil e Diários de Motocicleta) estará lançando On the road, de Kerouac, nos cinemas a partir de junho deste ano. Daí o enteresse pelo romance.
Sal Paradise e Dean Moriarty têm uma amizade muito bem consolidada. Resolvem, juntos, pegar a famosa Rota 66, cortando os Estados Unidos de costa a costa, mostrando o lado sombrio do sonho americano. A maior parte da viagem é feita na base da carona. Mas há roubo de carros e longas caminhadas a pé. No meio do caminho encontram outsiders, gente alijada do sistema que busca seguir adiante sem saber, muitas vezes, aonde ir. Sal Paradise consegue sobreviver com a ajuda financeira de uma tia e da publicação de alguns trabalhos. Dean Moriarty, ao contrário, segue rumo à autodestruição, acabando como mendigo. Durante o trajeto, ouvem muito Charlie Parker, Thelonius Monk e Gillespie. Encontram mulheres que abandonam e voltam a encontrar nessa vida itinerante.
On the road foi lançado em 1957. A edição brasileira da LPM, com tradução de Eduardo Bueno é primorosa. Na foto, Kerouac, à direita, com o amigo Neal, seu parceiro de estrada na vida real.
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Jack Kerouac. On the road (pé na estrada)Porto Alegre, LPM, 2011 384 pp. R$ 16,00

domingo, 22 de abril de 2012

Tia Júlia e o Escrivinhador

O escritor iniciante Mário Vargas, o Varguitas, toma-se de amores por sua tia Júlia, boliviana, divorciada e mais velha que ele. Sua paixão é correspondida, mas encontra resistência especialmente na família, por parte do pai, que tenta impedi-lo de casar-se, de todas as formas possíveis. Varguitas tem 18 anos e, pela lei peruana, não pode contrair núpcias sem a autorização paterna. Ele e a tia, com ajuda de amigos e de uma prima, tentam realizar o casório de todas as formas, incluindo alguns subornos. Quando finalmente conseguem oficializar a união, seu pai o ameaça, prometendo acusar a tia como corruptora de menor. No final, o amor vence e as coisas se resolvem. Romance com fortes traços autobiográficos, seja porque o narrador tem o mesmo nome do autor e acabe ganhando notoriedade como escritor fora do Peru, como Vargas Llosa, seja porque o escritor casou-se na vida real os 19 anos, com Julia Urquidi, irmã da mulher de seu tio materno, passando a ter vários empregos para sobreviver, até ganhar uma bolsa para a Espanha e solidificar sua carreira intelectual e política.
Os capítulos são entremeados com a história de Mario e Julia e as histórias de periódicos de Pedro Camacho, escritor que nunca abdicou de textos de gosto popular, pois eram lidos na rádio local. Os periódicos apresentam um humor salpicado por por estereótipos do gênero, como os infortúnios, os senhores de cinquenta anos "na flor da vida", o incesto , amor não correspondido e impossível, a religião. Esse é um grande mérito do autor, fornecer vozes narrativas diferentes para essas duas partes.
O final do livro, em paralelo com a degradação mental de Pedro Camacho, beira o absurdo e ridículo, misturando personagens de séries anteriores, ou repetindo os nomes das diferentes personagens, criando histórias verdadeiramente hilariantes e absurdas.
A história de Julia também é interessante, parece-me quase autobiográfica, e bastante próximo em seus propósitos para um drama de rádio de Pedro Camacho. Nele, o autor aproveita a oportunidade para falar sobre as classes burguesas e superior de Lima nos anos cinquenta, e seus costumes.
A ironia e a graciosidade da prosa nos leva com facilidade através da história, embora seja um livro longo que, em algumas partes, se mostra repetitivo.
A Folha de São Paulo está lançando neste domingo a Tia Júlia e o escrivinhador, cuja tradução não me foi possível, ainda, avaliar. ======================================
Tia Júlia e o Escrivinhador. Alfaguara Brasil, 2009, 360 pp, E$ 50,00
Tia Júlia e o Escrivinhador. Ponto de Leitura, 2010. 464 pp, R$ 24,00
La tía Júlia y el escribidor. 2ª ed., Buenos Aires, Alfaguara, 2010, 474 pp, R$ 66,740

domingo, 15 de abril de 2012

Batismo de fogo

A cidade e os cachorros é mais um romance com traços autobiográficos de Vargas Llosa, publicado em 1963. Ao completar 14 anos, o escritor ingressara, por vontade paterna, no Colégio Militar Leôncio Prado, como aluno interno, ali permanecendo por dois anos. Essa experiência será o tema de La ciudad y los perros, publicado no Brasil como Batismo de Fogo e, posteriormente, como A cidade e os cachorros. A maior parte da ação ocorre dentro do colégio. Alguns alunos mais antigos formam um grupo, O Círculo, com o objetivo de introduzir secretamente cigarros, bebidas alcoólicas e outras coisas não permitidas pela escola militar. Esse grupo é poderoso no controle do que acontece dentro da instituição. Os novos alunos, quando chegam, recebem “o batismo” e abusados com brutalidade. São chamados de cães e submetidos a agir como cães, durante as brincadeiras. Costumam subjugar e tirar tudo dos mais fracos. Uma de suas vítimas é Ricardo Arana, o Escravo. Outro aluno, alter ego do escritor, é chamado de Poeta, por escrever cartas de amor eróticas para as namoradas dos demais colegas. Seu comportamento e dignidade moral salvam-no muitas vezes de ser humilhado.
Durante o exame de química, o tenente Gamboa descobre que as respostas da prova haviam sido roubadas e exige que delatem o responsável pelo roubo. Confina alguns estudantes para obrigá-los a falar. O aluno Cava é denunciado. Jaguar, o líder autoritário do Círculo, jura descobrir o delator e as suspeitas recaem sobre o Escravo, o bode expiatório do grupo. Numa das manobras dos alunos, sob o comando do tenente Gamboa, o Escravo é assassinado. O Poeta acaba acusando Jaguar como o mandante do crime.
O livro é uma denúncia da brutalidade e da falsa virilidade que se pretende incutir na juventude, sob o pretexto de forjar heróis. Entretanto, isso acaba resultando no extermínio de qualquer resquício de sensibilidade. Conforme diz Kean, na peça teatral homônima de Jean Paul Sartre, “representamos o papel de herói, porque somos covardes; o de santo, porque somos maus. E o de assassino, porque sempre existe alguém que gostaríamos de matar. Representamos, em suma, porque desde o momento em que se nasce não se faz outra coisa senão mentir.”

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A cidade e os cachorros. Alfaguara Brasil, 2007, 373 pp, R$ 60,00
La ciudad y los perros. Punto de Lectura, 2008, 446 pp, R$ 68,40
Existe uma edição esgotada em português, pela Ed. Nova Fronteira, sob o título de Batismo de Fogo, com tradução de Milton Persson, que pode ser encontrada em sebos.

domingo, 8 de abril de 2012

Cláudio Manuel da Costa

Se você gosta de ler biografias, é bastante provável que vá gostar de Cláudio Manuel da Costa, da historiadora Laura de Mello e Souza, escrito em linguagem simples, sem o ranço acadêmico dos historicistas. A autora pesquisou exaustivamente em arquivos brasileiros e portugueses, para elucidar dados obscuros da vida do poeta, revelando um homem dividido profundamente entre o reino português e sua colônia ultramarina, entre a liberdade e os valores do Antigo Regime, entre os ideais do neoclassicismo e os conflitos maneiristas. Os escritores neoclássicos, quase todos, estavam preocupados em construir uma literatura como prova de que os brasileiros eram tão capazes quanto os europeus. Para Antonio Candido, pai da historiadora, os escritores do período neoclássicos, do qual pertence Cláudio Manuel da Costa, iniciaram a literatura brasileira. A tese de Cândido, da literatura como sistema, aponta que, durante o neoclassicismo, o escritor estava amadurecido com seu oficio de escrever para um público que lesse sua obra. O público leitor começa a se delinear, no Brasil, a partir da formação dos núcleos urbanos, pouco antes da vinda da Família Real, solidificando-se depois disso, com a criação de mais escolas e bibliotecas. Mesmo os que viveram mais no Reino do que na Colônia, faziam questão de se considerarem brasileiros. Incentivado a estudar em Lisboa, Cláudio Manuel da Costa bem que gostaria de ter permanecido mais tempo por lá, mas a morte do pai o obrigou a retornar às Minas Gerais para gerir os negócios da família. Dos poetas mineiros, talvez seja o mais profundamente preso às emoções e valores da terra, embora o formalismo estilístico do período a que pertenceu pudesse sugerir uma afetação portuguesa em sua poesia. Cláudio Manuel da Costa foi membro destacado da elite colonial. Foi proprietário de terras e de escravos. Permaneceu solteiro a vida toda, embora tivesse um relacionamento por toda sua vida com uma escrava. Tratou de alforriá-la, assim que nasceu seu primeiro filho. Durante a Inconfidência, vacilou diante dos interrogatórios e entregou a todos os correligionários que tramavam contra o regime português. Por causa disso, talvez, tenha cometido o suicídio na prisão, fato que permanece nebuloso até os dias de hoje: suicídio ou assassinato?
Laura de Mello e Souza (1953) é filha do crítico literário Antônio Cândido e da filósofa Gilda de Mello e Souza. Entre suas obras destacam-se O diabo e a terra de Santa Cruz, sobre a feitiçaria no período colonial, e Inferno Atlântico, uma análise interessante sobre o choque que as duas culturas (portugueses e indígenas) sofreram, a partir do descobrimento do Brasil.
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Laura de Mello e Souza. Cláudio Manuel da Costa. SP, Cia. Das Letras, 2011, 248pp R$ 39,50

domingo, 1 de abril de 2012

Ninguém nada nunca

No calor insuportável do verão nos pampas, sob a pressão implícita do regime militar, os moradores da região de Santa Fé são assombrados por uma série de misteriosos assassinatos de cavalos. E a iminência desses crimes sanguinários, inexplicáveis e sem solução, uma verdadeira carnificina, vai produzindo uma tensão muda que faz da banalidade do cotidiano desses personagens uma experiência de nervos à flor da pele.
(texto da capa)
O enredo de Ninguém Nada Nunca se resume à tensão de uma espera, de um acontecimento sempre iminente. Esse é também o clima nervoso da história: a tensão de uma espera por um acontecimento que está velado por trás da morte trágica dos cavalos.Uma cidade pequena junto a um rio, calor pleno de fevereiro, aparentemente nada acontece, a não ser cavalos mortos de forma violenta por alguém que não se deixa conhecer. Gato e Elisa, moradores da margem do rio, bebem litros e litros de limonada ou vinho branco com bastante gelo. Quase não há diálogos entre eles, assim como não há quase diálogos em toda a história. Esse é um dos méritos da narrativa. Juan José Saer descreve ações de personagens em contato com a natureza.
A imaginação se esconde no vazio do pampa argentino, não há descrições psicológicas de interesse. A partir do momento em que tudo é físico, a descrição do plano geral é o detalhe intimista. Tudo é puxado para dentro da paisagem e da geografia movediça, vazia, onde a correnteza do rio e a gota de suor escorrendo pelo corpo são descritas no mesmo nível, numa narrativa física, que ressalta a unidade de todas as coisas, uma espécie de cosmos, de totalidade representada pela paisagem.
Juan José Saer (1937), nasceu em Santa Fé, Argentina. É filho de imigrante sírio Auto-exilou-se na França, a partir de 1968. saer começou a publicar em 1960. É autor de obras como A pesquisa, O enteado e A ocasião.
A obra em português está esgotada, mas encontra-se facilmente nos sebos.
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juan José Saer. Ninguém Nada Nunca. SP, Cia. das Letras, 1997, 232 pp