terça-feira, 15 de abril de 2014

Infâmia


O velho embaixador Soares de Vilhena precisa descobrir o que se esconde por trás da morte misteriosa de sua filha, também casada com um embaixador. Soares de Vilhena notara que a filha andava meio tristonha pouco antes de sua morte, mas o marido reiterava que era exagero da moça. Como tem dificuldade para a leitura, devido à catarata avançada, contrata uma jovem estudante de literatura para ler as notícias de jornais e trechos de livros para ele.  Para o embaixador, cegos capazes de ver mais que os outros eram personagens recorrentes na tradição literária. Personagens  que pareciam não ver mas tinham uma visão interior, como visionários ou videntes, em condições de reorganizar o mundo a partir de outros parâmetros. Capazes de apreender os fatos ocultos ou revelar sinais vindos do céu.  O embaixador sentia estar  se reduzindo a um velho cego na dependência de ser guiado por uma moça. Obrigado a reconhecer que fora incapaz de conduzir a própria filha e de lhe apontar saídas que a aliviassem ou sendas que a livrassem do terror pessoal que lhe paralisara o coração. Vontade de se incluir no coro grego da tragédia e repetir com eles seu refrão, um desejo expresso de jamais haver existido, para não ter de viver aquela situação. O aparecimento de um envelope com documentos antigos, entretanto, traz à tona os fantasmas que assombram a família: fotos e fragmentos de textos da filha que morreu em circunstâncias misteriosas. Tal como Édipo cego que vai em busca da verdade trágica, o embaixador Vilhena vai em busca da sua verdade de vida.

Mas há um segundo núcleo da narrativa. Jorge, seu fisioterapeuta, tem o pai, funcionário de uma repartição pública, acusado injustamente de participar de um esquema de corrupção. Daí temos a Infâmia que dá título ao romance de Ana Maria Machado.  Custódio, o pai do fisioterapeuta, era funcionário atento, responsável zeloso pelo almoxarifado. Esse Custódio começa a notar o consumo exagerado de papel e material de escritório e produtos de limpeza. Com a ajuda de um jornalista, denuncia a fraude a um jornal. É quando passa a ser difamado publicamente e hostilizado no local de trabalho, a ponto de precisar se afastar do trabalho. O neto de Vilhena, que buscara o auxílio do avô para fazer um documentário se interessa pela história do pai do fisioterapeuta e as duas histórias se cruzam.

Ana Maria Machado teria ganho o Prêmio Jabuti 2013 de romance, não fosse ter levado nota zero de um dos jurados, Rodrigo Gurgel, que argumentou posteriormente ter achado o livro de Ana Maria Machado pobre na história e esteticamente. Rodrigo Gurgel quis chamar a atenção à organização do Prêmio Jabuti para a valorização da obra e não a valorização do autor sobre ela. Mas, Ana Maria Machado foi recompensada com o Prêmio Zaffari Bourbon de melhor romance.

Reconhecida como boa escritora de obras infanto-juvenis, Ana Maria Machado vez ou outra enveredou para romances para adultos, como esse Infâmia. Para mim, a história não convenceu, apesar da ideia brilhante de parodiar a cegueira de Edipo com a do embaixador, como sustentação para descobrir a verdade trágica da morte da filha. A leitura torna-se cansativa pela fragilidade argumentativa. Mas é bem escrito e merece ser lido para os fãs da escritora Ana Maria Machado.
                                         paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Ana Maria Machado. Infâmia. Rio, Objetiva, 2011, 277 pp, R$ 45,90

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