domingo, 15 de junho de 2014

Ilíada

Um caso de adultério motivou a Guerra de Tróia. O troiano Páris visita o grego Menelau, apaixona-se por Helena, sua esposa, raptando-a. Mas o tema de Ilíada, longo poema narrativo de Homero, é a fúria de Aquiles. Após os gregos saquearem uma cidade aliada aos troianos, duas jovens belíssimas, Criseida e Briseida, são dadas a Agamênon e Aquiles, como escravas concubinas. Crises, o velho sacerdote, pai de Criseida, chega ao acampamento dos aqueus para resgatar a filha, em troca de incontáveis riquezas. Agamenon rejeita violentamente o resgate e Crises reza a Apolo, pedindo-lhe que castigue os aqueus (gregos). O exército é assolado por uma peste, fazendo com que os conselheiros de Agamenon se reúnam em assembléia, sugerindo-lhe que devolva Criseida ao pai. Aquiles defende essa proposta. Agamenon, apesar de ser o soberano máximo, sente uma inveja ressabiada de Aquiles, que é o herói em campo de batalha. Agamenon decide devolver Criseida. Porém, rouba Briseida de Aquiles. Surge então a ira de Aquiles, que se sente desonrado e abandona o campo de luta, ainda que não abandone o acampamento dos aqueus. A falta de Aquiles faz com que Agamenon mande Ulisses e Ájax à tenda de Aquiles com a incumbência de lhe prometer mundos e fundos se ele reconsiderar sua posição. Trata-se do Canto IX, o mais famoso canto da Ilíada, considerado estruturalmente perfeito. O esforço não dá certo. O herói divino deixa de acreditar na guerra, na glória, no heroísmo. Só um motivo pessoal e íntimo fará Aquiles mudar sua decisão e pegar em armas: a dor perante a morte de Pátroclo, seu amigo íntimo. 

A originalidade de Homero consiste em ele ter estruturado uma série de episódios do ciclo lendário das guerras troianas em torno da ira de Aquiles. Sua técnica narrativa traduz uma conduta caracteristicamente grega: os gregos concebem a realidade como um todo ordenado. A harmonia exige limites precisos. O ilimitado é o não-ordenado, o caos, estágio anterior à ordem. Desde Homero, os gregos nos colocam diante de fronteiras claras, diante de unidades abarcáveis. O homem homérico sabe de um mundo interior, sabe que acontecem coisas em si, mas esse mundo não lhe é claro, não o fascina, não se demora nele. Quando percebe dentro de si fenômenos que não compreende, os atribui a forças sobre-humanas. O homem homérico volta-se para fora, para o mundo luminoso, concreto, real. Ilíada é também a guerra dos deuses, que decidem quem ganha e quem vai perder. Os próprios heróis da Ilíada sabem muito pouco de seu destino.

A Ilíada surgiu, mais ou menos, no século VIII a.C., fruto da tradição oral. Em 1488 surgiu a primeira edição impressa da obra na Itália. Para contar a Ilíada, Homero opta por isolar um período de pouco mais de 50 dias, já na fase final da guerra (a guerra de Troia teria durado uns 10 anos). Simbolicamente, a narrativa concentra-se em 14 dias. Por outro lado, os cinquenta e cinco dias da ação global do poema e mais os 14 fatídicos dias da ação efetivamente narrada, não deixa de estar condicionados fatos de todo o passado da guerra que repercutem tragicamente no presente da narrativa.

Há várias teses buscando contestar a autoria da Ilíada. O Canto IX, estruturalmente o melhor elaborado, não faria parte da Ilíada de Homero, mas de outro escrito sobre o tema. Mas os argumentos dessa corrente, entretanto, não se sustentam. A Ilíada foi toda construída por um único poeta. Seja ele quem for, trata-se de Homero. Se o leitor se interessar por este assunto, há um livro esclarecedor de Donaldo Schüler, especialista em literatura grega: A Construção da Ilíada, uma análise de sua elaboração, Ed. LPM, onde se comprova a fragilidade argumentativa dos que contestam a autoria da Ilíada.

A Ilíada merece ser lida, apesar de pequeno esforço eventual, devido ao estilo do texto. O resultado será gratificante. Aconselho a evitarem algumas edições de bolso mal traduzidas que existem por aí. Aconselho a edição portuguesa com a excelente tradução do conceituado Frederico Lourenço. Para nossa sorte, o selo Penguin, da Companhia das Letras lançou essa tradução no Brasil, a preço bem acessível. Não dá pra morrer sem ler a Ilíada.
                                          paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Homero. Ilíada. SP, Penguin/Cia. das Letras, 2013, 720 pp, R$ 40,00

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