domingo, 8 de junho de 2014

Maíra

Darcy Ribeiro (1922/1997) usa de sua vasta experiência como etnólogo e antropólogo para escrever Maíra, seu primeiro romance, editado em 1978. Maíra, em linguagem tupi, é um divindade entre os indígenas.
Enquanto isso, no posto da Funai da região, alguns índios vivem dentro de seus costumes. Os padres  afirmam que a estratégia da Funai é congelar os índios em seus costumes, para assim protegê-los da degeneração.Já os arrebanhados pelos padres marcham para a civilização, sem romantismos rondonianos: vestidos, calçados, limpos.  Elias, indígena da tribo mairum é um desses índios aculturados que volta para sua aldeia de origem, depois de passar sua infância  e adolescência preso em um convento para ser padre. Para ele, sua aldeia nesses anos todos de desterro só existiu dentro dele, na lembrança. Em breve estará junto de seu velho tio, o chefe da tribo Anacã, bem no meio do círculo dos homens em posição cerimonial, para ser o novo aroe(*) . Isaías é ambíguo, não é índio nem cristão. Não é homem nem deixa de ser. Manteve contato com uma mulher branca que havia se decidido a viver entre os índios e foi encontrada morta da praia com o feto de dois filhos mortos entre suas pernas. Isso pode ser encarado como a simbologia de Maíra-Coraci, o sol e Micura-Iaci, a lua - irmãos que criaram o mundo da cultura mairum. A trama se divide em núcleos, envolvendo a vida e morte dessa mulher, o reduto dos índios da Funai, o mameluco que se comunicava com esses núcleos e que matava índios, e o conflito existencial de Elias, que luta com sua consciência dividida.

Darcy Ribeiro tem um olhar atento sobre o programa de aculturação indígena que teve o Brasil, a religiosa - que defendia a catequese católica como a única solução compatível com a formação do povo brasileiro, e a leiga - que defendia o propósito de que a assistência protetora ao índio era competência do Estado. Entretanto, nenhuma das duas correntes analisou a situação real dos índios, conhecendo e valorizando sua cultura. Maíra mostra o resultado trágico dessas invasões para trazer os índios à civilização. Está longe de ser obra didática. É ficção das boas.

(*) Provavelmente o que puxa o canto nas cerimônias. Não consegui uma definição precisa para o termo.

                         paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Darcy Ribeiro. Maíra. 17ª ed., Rio Record, 2007, 430 pp, R$ 40,00


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