domingo, 11 de janeiro de 2015

Assim na terra

Na voz de Luiz Sérgio Metz, a natureza ganha vida em Assim na terra: a água dos pequenos córregos, terra batida, erosão,tufos de macegas, barro, rastro de roda, pegadas de homem descalço, a asa de um pássaro que se escondeu numa tulha, homens conduzindo um resto de tropa marcada a ferro, uma árvore seca, o emblema da caveira sobre dois ossos, as tábuas do assoalho rangendo sob os pés.
Um gaúcho solitário, do tipo campeiro, encontra, em suas andanças, um homem dormindo na mata. Beira os setenta, pela aparência do rosto. Veste bombacha escura e botas com o bico embarrado. O homem acorda e se apresenta, Gomercindo. Os dois saem a caminhar, encontram uma casa grande, ao lado um galpão. Uma vela se acende.  O galpão parece uma espécie de templo do tempo, com muita acústica e pouca mobília. Sólido, mas também muito simples, embora não fosse apenas simples nem de uma solidez comum, de pedra sobre outra que se enxertam, armado apenas de algum madeirame. Ali dentro daria para se guardar os sótãos da infância. Eles ficariam protegidos do rigor, acomodados até uns sobre os outros formando uma sub-edificação de subjetivos para visitação. Mas há uma escrivaninha, com nervuras nos cantos, com gavetas, um tampo claro no pavio amarelo, sem nada encima. As janelas estão todas fechadas e a vela sobre a escrivaninha é nova. Não há nenhuma medida de tempo, então. Gomercindo olha-o sem fixar os olhos, tudo está fora de alcance. O velho propõe-lhe que seja feito um tratado sobre o sul, "procurar os signos que estava no piso e nas janelas e nas portas e nas paredes: associações urbanas , ruas para dentro de barrocas, as linhas telefônicas, os gritos raspando dentro dos fios, os raseis de setembro, as unhas que se agarravam às pedras que se soltavam como grãos de espigas, brugalhaus". 

As palavras estavam além das tesouras de um mero galpão ou de suas telhas, ou de sua geometria.  Ele parecia querer terminar o livro que trouxera, mas ficava marcando uma página com a unha, num vaivém na margem direita.

Luiz Sérgio Metz nasceu em Santo Ângelo , RS, em 1952 e faleceu em 1996, devido a um câncer. Conhecido como "Jacaré", foi letrista do grupo nativista Tambo do Bando. Dele eu já havia lido o livro de contos O primeiro e o segundo homem, já comentado neste blog. Assim na terra descreve a atmosfera do pampa com lirismo e densidade, numa jornada a cavalo, sem destino .

O exemplar novo varia de 22 a 35 reais.
                       
 paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Luiz Sérgio Metz. Assim na terra. SP, Cosac Naify, 2013, 224 pp.

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