domingo, 22 de janeiro de 2017

36. O homem sem qualidades

O homem sem qualidades é uma obra híbrida: contempla ensaísmo e narração. Seu processo de criação foi lento e exigente. Em 1906, Robert Musil (1880/1942)   já tinha anotações sobre a estrutura do livro, que é publicado em 1930, a primeira parte. Em seguida, por pressão dos escritores, edita a segunda parte. A terceira parte, inacabada, foi publicada após sua morte, em 1942, pela viúva do autor. A edição brasileira contém as três partes do livro.

A proposta do autor era contar como o homem normal nasce e se coloca diante da realidade empírica sem se deixar submeter a uma razão opressora. O ser que não tem qualidades próprias, que não sabe o que é, que só se conhece no cumprimento de tarefas. Diante disso, busca saber como pode adquirir o autoconhecimento diante da modernidade. Embora escrito entre a primeira e segunda guerras mundiais, não se trata de um livro histórico, nem um manifesto contra o nazismo. O que o escritor austríaco se propõe é narrar a utopia de Ulrich, de criar um mundo à parte.

Ulrich, o homem sem qualidades, é alguém que se propõe a  tirar férias da vida. Não tem uma profissão definida, não tem família e sente que vive num mundo de qualidades que são impostas a ele. A história começa em 1913 em dois mundos paralelos, o da reflexão do protagonista e o mundo dos eventos. No mundo dos eventos, existe uma trama paralela, a ação patriótica para comemoração do jubileu de coroação do imperador austríaco, em 1918. Aparecem as mais diferentes personalidades da aristocracia. Ulrich é secretário desse comitê, que não chega a lugar nenhum.

Em contrapartida, há a figura de Moosbrugger, um assassino que chama a atenção de todos pelo crime de matar sua mulher. A intenção da sociedade é eliminar esse elemento, através da condenação à morte. Mas o grupo liderado por Clarisse e Walter, amigos de Ulrich, é estudar uma terceira via para o destino do assassino.

Na segunda parte há também uma relação quase incestuosa entre Ulrich e a irmã Ágatha, que surge quando decide separar-se do marido, aplicando-lhe um golpe no testamento deixado pelo pai.  A aproximação de Ulrich com a irmã é uma forma de tentar dar uma continuidade dos acontecimentos que giram em torno de sua existência. Uma forma de recuperação.
Ulrich é um homem bastante à frente de seu tempo. Provara ter espírito forte e aguçado. Sempre sabe o que deve fazer, sabe olhar nos olhos de uma mulher, sabe refletir bastante sobre qualquer coisa a qualquer momento. Talentoso, isento de preconceitos, corajoso, resistente, destemido, prudente.

Essas qualidades, entretanto, ele não as tem. Elas fizeram dele aquilo que ele é, e determinaram seu caminho, mas não lhe pertencem. A uma coisa, Ulrich opõe outra. Para ele, nada é sólido. Tudo é mutável, parte de um todo que ele ainda não conhece integralmente. Assim, todas suas respostas são respostas parciais, cada um de seus sentimentos um ponto de vista. Para ele, não importa o que a coisa é, mas como é. O adjetivo  "homem sem qualidades" deve ser visto nesse sentido. Um caráter sem caráter nenhum.

Tradução de Lya Luft e Carlos Abbenseth

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Robert Musil. O homem sem qualidades. Rio, Nova Fronteira, 1989, 872 pp.

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