domingo, 29 de janeiro de 2017

37. São Bernardo

Graciliano Ramos viveu entre 1892 e 1953. Durante esse período conviveu com duas guerras mundiais, duas revoluções socialistas, o nazismo de um lado e o stalinismo de outro. No Brasil, 1937, instaura-se em 1937o Estado Novo de Getúlio Vargas e um regime ditatorial que predomina até 1945.  Um ano antes do Estado Novo, Graciliano foi preso e conduzido à prisão de Ilha Grande, no Rio, durante um ano. Até sua morte, em 1953, nunca soube oficialmente por que havia sido detido. Era filiado ao Partido Comunista desde 1945.

Graciliano Ramos se distancia dos demais contadores de histórias da época, como Jorge Amado e Érico Veríssimo, por apresentar uma escritura sofrida, trabalhada à exaustão, onde cada palavra tem um peso, numa prosa extremamente elaborada. Sua obra principal  é condensada em um curto período: Caetés (1933), São Bernardo (1934), Angústia (1936) e Vidas Secas (1937). Os três últimos romances constituem suas obras-primas.

São Bernardo é contado em primeira pessoa, o narrador-personagem está situado no presente de sua solidão, rememorando os fatos do passado, entregando-se ao doloroso exercício de enfrentar a verdade sobre si mesmo Quando decide contar sua história, Paulo Honório já se encontra viúvo e sozinho. Está com cinquenta anos. A certidão de nascimento não confirma pai nem mãe. Fora criado pela velha Margarida, que vendia doces. Cedo, rolou pelo mundo, trabalhando como lavrador. Aos 18 anos esfaqueou um homem e foi preso. Quando saiu da prisão, decidiu que queria ganhar dinheiro.

De posse de um capital inicial, empenha-se na compra da fazenda São Bernardo. Aproveita-se da fraqueza do filho de seu antigo patrão e, de forma esperta, faz uso de todas as atitudes escusas possíveis. De posse da fazenda, passa a invadir partes de terras alheias para ampliar sua propriedade. Consolidada a posse, era preciso casar-se para ter um herdeiro. 

Numa das visitas que faz à cidade, conhece Madalena, jovem de 27 anos. Não era bem a mulher que procurava, mas decide investir em Madalena. A moça era professora primária e só tinha como família a tia Glória, que a criara desde pequena. Levada a pensar na proposta de Paulo Honório, Madalena, pensando na proteção e segurança que aquele senhor de terras lhe poderia garantir, aceita casar-se, levando a tia junto para morar na fazenda.

Os dois têm um filho, apesar da relação conflituosa entre os dois. Paulo Honório é seco, autoritário e possessivo, trata seus funcionários como bichos. Madalena é doce, compreensiva e altruísta. Toma o partido dos humilhados e ofendidos, exige melhores condições de vida e de salário para seus funcionários enfurecendo o marido. Letrada, Madalena passa a conversar com Padilha, o professor da região que morava na fazenda e com amigos que visitavam a fazenda. Inseguro, sem conseguir apossar-se da vontade da esposa, passa a ter ciúmes doentios que acabam por levar Madalena ao suicídio.

Paulo Honório é um homem agreste, egoísta e cruel,  que não consegue compreender a mulher, pois é incapaz de senti-la em sua integridade humana e em sua liberdade, e a considera apenas como mais uma coisa a ser possuída. A crise reside na incompatibilidade de conviver quando um indivíduo não reconhece nem aceita a diferença representada  no outro. Paulo Honório não admite a livre expressão da esposa, a competência dela o faz sentir-se inferiorizado, reagindo, assim, de modo impensado, por meio de um ciúme doentio que o leva a duvidar da fidelidade de Madalena.

Interpretado pelo que representa de crítica social, Paulo Honório representa a modernidade que entra no sertão brasileiro, é o emblema complexo e contraditório do capitalismo nascente, empreendedor, cruel, que não vacila diante  dos meios e se apossa do que tem pela frente.

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Graciliano Ramos. São Bernardo. 71ª ed., Rio, Record, 2001 224pp

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