domingo, 23 de abril de 2017

49. Rayuela – o jogo da amarelinha

O Jogo da Amarelinha não tem cronologia, não tem enredo convencional, nem suspense. É uma espécie de antirromance. A história, de forma ambígua, faz o leitor mergulhar no livro intuitivamente, para enxergar o que seja a realidade. O argumento é aparentemente simples: o argentino Horácio Oliveira busca incessantemente a Maga, uruguaia, mãe de um menino, que ele conhecera em Paris, enquanto estava lá exilado. Após a morte do menino, a Maga desaparece e Oliveira a busca pela cidade parisiense e depois em Buenos Aires, quando entra em contato com Traveler, administrador de circo, e Talita, sua mulher. À medida que esse relacionamento avança, Oliveira vai confundindo em sua mente a presença de Talita com a de Maga. Os três decidem trocar de negócio, comprando um hospício, onde Oliveira, no final da história, acaba internado como maníaco. 

Quando Oliveira inicia a busca pela mulher, sobre uma ponte em Paris, o leitor já fica sabendo que a busca do personagem será uma busca perdida, posto que a primeira frase do romance é a fala de Oliveira, dizendo com o verbo no futuro do pretérito: "Encontraria a Maga? Mas Oliveira tenta, em vão, recuperá-la pela narrativa numa divagação frustrada pelas pontes e ruas de Paris, depois no trabalho com o circo, em Buenos Aires.

O livro é dividido em três partes: "Do lado de lá", ambientada em Paris;" Do lado de cá", em Buenos Aires; e "De outros lados", com capítulos prescindíveis, que se tornarão imprescindíveis, de acordo com a escolha do leitor. São no mínimo dois romances dentro de um. Cortázar convida o leitor a escolher uma das duas possibilidade que o livro oferece: o primeiro livro seria lido em sequência, até o capítulo 56, quando termina a história. O segundo livro começaria a ser lido a partir do capítulo 73 e seguindo logo na ordem  que é indicada ao final de cada capítulo. Essa segunda possibilidade tem a ver com o jogo da amarelinha. O leitor avança, retrocede, avança novamente e assim sucessivamente.

Cortázar pensa a obra de arte como uma condensação de significados. A proposta do autor, sugerindo ao leitor começar o livro no capítulo 73, parte da destruição radical de sua estrutura, para inovar na experimentação da linguagem, pois o romance é projetado em sua própria construção. Ao propor a leitura aos saltos, um jogo, o autor acrescenta  desdobramentos ou comentários poéticos sobre o romance que se vai construindo, com a participação do leitor, pois é este que vai consumar a obra, gestando-a à medida em que a lê.

Há um personagem enigmático que aparece na leitura aos saltos: Morelli, que faz parte das conversas dos intelectuais integrantes do Grupo da Serpente de Paris, que se reuniam periodicamente para discutir as coisas da vida. Morelli é um escritor que não escreve, uma espécie de filósofo idealista, ou então, alguém que escreve um romance em eterna gestação. Morelli é mencionado na possibilidade de leitura sequencial como um velho escritor que morre atropelado, sem que lhe mencione o nome.

Tradução de Fernando de Castro Ferro
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Julio Cortázar. O jogo da amarelinhas. 22ª Ed. Civlização Brasileira, 2014, 640p.

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