domingo, 3 de julho de 2011

Os palhaços

A palavra palhaço tem duas conotações básicas. Uma, mais usada frequentemente, tem aparecido com frequência nas notícias da televisão, é a depreciativa. A figura do palhaço é associada a um tipo de trabalhador que é feito de trouxa, desqualificado, bobalhão, ignorante. Com esse palhaço a classe trabalhadora não quer se identificar. Recentemente, assisti a uma matéria jornalística onde professores e demais servidores públicos protestavam contra medidas do governo gaúcho, visando ao aumento na percentagem descontada nos salários para prover o fundo de previdência do estado. Muitos desses manifestantes protestavam com a cara pintada e o tradicional nariz de palhaço. O protesto ameaçava com greves que prejudicariam alunos e a população que usa o serviço da rede pública.
Outra manifestação – menos recente – em que esse palhaço rejeitado apareceu, foi na dos médicos residentes do Hospital de Clínicas, protestando por aumento no valor da bolsa que recebiam para que se especializassem em um dos ramos da medicina. Lá estavam os médicos iniciantes com o narizinho de palhaço fazendo barulho do lado de fora do hospital, enquanto dentro estavam pessoas doentes sem atendimento médico.
Bem, o que essas duas entidades exemplificadas querem dizer a seus “patrões” é que os estão fazendo de bobos e suas atividades não são bobas, não são ridículas como a do palhaço, um profissional que ganha muito pouco, vive quase na miséria. São de outra natureza mais nobre e devem ser melhor qualificadas com salários mais justos. Eu discordo do uso da figura do palhaço,um trabalhador do riso, como depreciativa. O palhaço é uma profissão nobre, tem técnica, tem esforço, dedicação. Mas não é essa vereda que quero percorrer aqui. Quero enaltecer a figura de outro palhaço, positivo, criativo, emocionante. Que tem relação com o ridículo, mas a cobertura desse ridículo é o sublime. O palhaço é um personagem atrapalhado que nos mostra as fraquezas com as quais nos identificamos, mas temos vergonha de assumir. E agradecemos ao palhaço por fazer isso por nós. Quando o palhaço nos faz rir de suas imperfeições nos faz pensar que também somos assim, esse palhaço atrapalhado e lírico, que mostra suas fraquezas com uma perspectiva positiva. O palhaço, o clown, é visto no cinema com Woody Allen, que nos faz rir das neuroses que são compatíveis com a realidade de muitas pessoas. Damos risadas delas quando as reconhecemos e isso nos dá algo de liberador, de grandeza. Nos dá prazer sem negar a realidade. Kassia Kiss está apresentando na novela das sete um clown interessantíssimo: por trás da figura patética da personagem, meio sonsa, meio lenta em demasia, encontra-se o protótipo de um ser humano com conteúdo ético interessante.
Assim sendo, leitor, o palhaço é um bobo com quem muitos não querem se identificar, recusam o estigma de ridicularizados, de bobos levados ao ridículos. Também é um ser poético, atrapalhado e trapalhão, que busca através da arte nos fazer rir das coisas menos nobres da vida com nobreza. Faz-nos o favor de deixar que riamos de seus desajustes, livrando a nossa cara. Como sugestão de leitura, mais uma vez Cecília Meireles, que em muitas de suas crônicas enalteceu a importância do circo e do palhaço em sua infância. Recomendo "Escolha seu sonho", especialmente a crônica "Programa de circo".
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Cecília Meireles. Escolha seu sonho. RJ, Record, 2005, 26ª ed.

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