domingo, 29 de dezembro de 2013

O Jardim do Passado

O Jardim do Passado é o último romance da trilogia do Cairo. Estamos no ano de 1935. Faz 15 anos que a revolução para a independência do Egito começou, mas os ingleses ainda estão por toda parte. A velha tradição egípcia ainda apresenta sinais de vida. Para Ahmed Abd el-Gawwad, o patriarca da família, o tempo do esforço, da luta e dos prazeres estava acabado.  Agora,  ele se curva no canto da aposentadoria, dando adeus ao mundo do futuro para saudar o da velhice, da doença, da espera e do definhamento do coração  tão loucamente apaixonado pelo mundo e por seus prazeres, já que a fé era para ele apenas uma de suas alegrias, uma incitação a se recolher. Nunca, até então, conhecera a devoção austera que faz renunciar ao mundo e erguer os olhos para o além. Certamente, a loja não era mais "sua loja", mas como apagar a lembrança dela, que tinha sido o centro de sua atividade, o alvo dos olhares, o ponto de referência dos amigos e dos irmãos, a fonte de honra e prestígio? Só lhe restava, agora, o consolo. Casara suas filhas, educara seis filhos, vira nascer seus netos, que tem dinheiro bastante para sustentá-lo até a morte. Provara bastante o sumo da vida. Chega, agora, ao tempo de dizer obrigado. É um dever agradecer a Deus sem cessar, sem nostalgia.
 Kamal, o filho mais novo, agora com 30 anos, é o professor que sempre quisera ser. Transformara-se no vagabundo a explorar campos infinitos do pensamento, lendo, tomando notas que depois eram reunidas em seus artigos. Nisso, a sede de conhecimento, o amor à verdade, o espírito de aventura imaginário motivara seu esforço, como o desejo de se consolidar e se distrair do clima sinistro que o submergia, desse sentimento de solidão que jazia no seu âmago. Certa vez, encontrou Latif,  o amigo da adolescência, quando discutia política e conhecera Aída, que se casara com Hussein, outro amigo rico. No espaço de alguns anos, de 1924 a 1935, um novo Latif nascera, mas  permanecia, apesar de tudo, o velho e eterno amigo. Kamal pôs-se a olhar o amigo com uma curiosidade redobrada. Tinha diante de si um outro indivíduo, sem relação comum  com o Ismail Latif com quem convivera entre 1921 e 1927, esse período único de sua vida que ele vivera intensamente, do qual nem um minuto se passara sem alegria profunda, da verdadeira amizade encarnada em Hussein Sheddad, do puro amor cristalizado em Aída, do ardor impetuoso nutrindo à chama da revolução egípcia; o das experiências violentas em que o tinham lançado a dúvida e os caprichos da carne. Este mesmo Ismail Latif tinha sido o símbolo daquela época, o iniciador eminente. Mas tinha ele hoje a ver com aquilo? Talvez a lembrança viva de um passado fabuloso. Kamal pode-se orgulhar de que o passado não foi um sonho.

A narrativa segue, neste último volume da trilogia do Cairo, com os sobrinhos de Kamal, jovens e idealista. O Egito, no campo político, continua atrelado, ainda, à Inglaterra, apesar da independência. O mundo estava se preparando para enfrentar a Segunda Guerra Mundial.
                                                                         paulinhopoa2003@yahoo.com.br
===============================
Naguib Mahfouz. O jardim do passado. Rio, Record/Best bolso, 2008, 434 pp, R$ 22,00

Nenhum comentário:

Postar um comentário