segunda-feira, 14 de junho de 2010

O limite do viver

Neste final de semana o Domingo Espetacular mostrou a matéria de um casal de velhinhos - sessenta e tantos anos de casados, segundo a esposa - o marido saíra para caminhar e não voltara até à noite. Junto com ele, a cachorrinha que o seguia sempre. A velhinha, assustada, buscou ajuda dos vizinhos para achar o marido, mas não o encontraram. Pediram ajuda do corpo de bombeiros. Acabaram descobrindo o velhinho no meio de um canavial, durante a madrugada. Ao sentir barulho, a cachorrinha dera sinal e os bombeiros chegaram até ele, de barriga para baixo, ainda vivo.
Enquanto via a matéria, fiquei pensando no que poderia estar passando na cabeça do velhinho naquele momento. Não sou médico neurologista nem geriatra, o que me impressionou no assunto tratado levei para o campo da ficção. O velho não conseguira morrer. Não tivera forças para cavar sua própria cova? Estava vivo para alegria da esposa e para seu desapontamento. A fisionomia do velho era de tristeza, de decepção. O repórter perguntava coisas que ele não respondia. A esposa dizia que ele era tudo na vida dela. Precisava dele. Ele talvez já não precisasse de ninguém.Aquele velhinho personagem, que se perdera por não conceber mais o espaço real da vida, caminhara para o nada. Para o infinito. Saíra da casinha da vida, entrara no delírio do fim do mundo, mesmo. Será que não queria mais viver? O que será que pensa da vida ele, já que ainda está vivo? Já não pensa mais nada.
O velhinho da matéria da televisão me impressionou e incomodou meu lado velho, que está se aproximando cotidianamente e sempre. Como estarei eu com a idade daquele velhinho? Ele aparentava uns noventa anos... Fiquei incomodado porque tenho medo da morte. Gostaria de viver bastante ainda, e bem lúcido com a realidade. Mas ainda não cheguei aos sessenta e ele já está nos noventa. Já deve saber mais da morte que da vida. Já não domina mais essa vida que tanto aprecio querer viver. Seu domínio é o desejo pelo desconhecido. Quando saiu a caminhar e se perdeu, para ele isso não tinha sido uma perda (perder-se é um caminho), mas um desejo de viver a morte.
Remeto os leitores para dois livros muito bons que retratam o velho como personagem: "O albatroz azul", de João Ubaldo Ribeiro, que retrata a vida de um homem bastante velho, que apesar de muita sabedoria colhida durante a vida, ainda busca um sentido para viver. Outro é "Memória de mis putas tristes", de Gabriel Garcia Marquez. Nele, lemos um homem de noventa anos que programa passar a noite com uma adolescente, para provar a si mesmo e ao mundo, que está vivo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário