domingo, 18 de dezembro de 2016

16. Crime e Castigo

Crime e castigo inaugura a trilha de obras-primas de Dostoiévski, junto com, O Idiota e Os Demônios, além de duas  novelas primorosas, O Jogador e O Eterno Marido. Quando  se conhecem as condições em que ele viveu, parece incrível o fato de ele ter sido capaz de produzir, em tão pouco tempo, tantas obras-primas. Enfrentou a pobreza e contínuas mudanças de residência para fugir de credores (por causa do jogo) e de familiares gananciosos e foi viver obscuramente na Alemanha e na Suíça até 1871. Também sofreu repetidos ataques epiléticos. . Se nos romances anteriores já havia a preocupação com a dignidade do ser humano independentemente de sua condição social, agora encontramos um viés filosófico e psicológico envolvendo as ações de Raskólnikov, o protagonista.

Dostoiévski apresenta Raskólnikov como um rapaz muito pobre, apesar de extremamente orgulhoso, causando a impressão de que ocultava algo de si aos demais. Se esquivava de todos na universidade, menos de Razumíkhin, que se tornou seu amigo.  Sua mãe e irmã moravam no interior, também em situação de emergência. Mesmo assim, pede dinheiro à família para atenuar a miséria em que vivia, em São Petersburgo. A ideia de cometer um assassinato com fins utilitaristas (mais ou menos a ideia de que devemos considerar o bem-estar de todos e não o de uma única pessoa), já vinha rondando a mente do protagonista. A época em que transcorre a narrativa coincide com o movimento  pregado pelos jovens intelectuais russos, o nihilismo, cuja principal característica era uma visão cética radical em relação às interpretações da realidade, que aniquila valores e convicções. O grande mérito de Dostoiévski, ao criar o personagem, é que ele não é plano. Pelo contrário, é um personagem complexo que delira entre ideias racionais que forjam-lhe um conceito de moral, e os princípios cristãos de compaixão e igualdade.

Passeando num final de tarde pela zona do mercado de  ambulantes de gêneros diversos e frutas, notou uma senhora conversando com uma conhecida. Essa conhecida era Lisavieta Ivánovna,  a irmã caçula de uma velha  viúva usurária, com quem ele estivera na véspera, empenhando um relógio. Ao ouvir que essa irmã não estaria em casa na noite seguinte e que a velha estaria sozinha em casa, foi tomado de uma sensação estranha que foi originando o seguinte pensamento: se matasse e saqueasse a velha maldita, não sentiria remorso. Com o dinheiro da velha poderia  distribuir o dinheiro a pessoas necessitadas, ajudar algum mosteiro, salvar famílias da miséria, da desagregação, da morte, da depravação e das doenças venéreas. Ele rouba o machado do zelador do prédio onde aluga um quarto e segue até a casa da usurária. O que não contava, é com o fato de que a irmã da agiota, provavelmente grávida, estivesse em casa. Acaba matando as duas e foge com os bens.

Quando volta para seu quarto, recoloca o machado no quarto do zelador, esconde o produto do roubo num buraco no papel de parede e tenta tirar as manchas de sangue da roupa. Desgastado pela tensão nervosa e pela doença, cai num sono febril até que é despertado por uma intimação do posto de polícia local. Chega lá horrorizado, mas fica sabendo que a intimação diz respeito a uma dívida que tem com a dona da pensão onde mora. Sente-se salvo, mas desmaia de fraqueza, ao ouvir dois policiais mencionarem o assassinato. Pensando que sua atitude pudesse levantar suspeitas, quando se recupera, volta ligeiro ao quarto a fim de remover os bens roubados, escondendo-os debaixo de uma pedra junto ao mictório num parque. A seguir, perde a consciência por quatro dias. Quando desperta, vê que está sendo cuidado pelo amigo Razumílkin e mais o delegado.

A partir daí, é esmagado e oprimido pelas consequências morais e psíquicas de seu ato criminoso, ao mesmo tempo em que passa a revelar traços de caráter. Em vez de medo e angústia, mostra agora raiva e ódio contra todos os que estiveram cuidando de sua doença e decide fugir desse cuidado opressivo.

Escreve e publica, então, um artigo polêmico lançando a questão de que os indivíduos se subdividiam  em "ordinários" e "extraordinários". Os ordinários são predestinados a viver na obediência, para cuidar dos outros, sem o direito de infringir a lei. Já os extraordinários teriam o direito de cometer toda sorte de crimes e infringir a lei de todas as maneiras justamente por serem extraordinários.

O romance é um primor de suspense policial, onde D0stoiévski traça com maestria o caráter psicológico contraditório de Raskólnikov. O encontro dele com Sonia, jovem prostituta, quase no final da narrativa, é fundamental para o desfecho do livro.

Tradução de Paulo Bezerra.
                       paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Fiódor Dostoiévski. Crime a castigo. 6ª ed., SP, Editora 34, 2009, 568 pp.

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