domingo, 18 de dezembro de 2016

30. Ulysses


Ulysses é um romance com personagens simbólicos, realizando ações simbólicas realizadas, entretanto, num mundo real, Dublin do dia 16 de junho de 1904. Trabalhando intensamente o monólogo interior, o irlandês judeu Leopold Bloom vive uma odisseia moderna no decorrer desse único dia. Além dele, aparecem com destaque sua esposa, Molly Bloom e seu amigo Stephen Dedalus. Este representa a identidade oculta de Joyce, não só neste romance, mas em  Retrato de um artista quando jovem, em que narra a infância e juventude de Stephen Dedalus até sua ida à escola, como interno.

O romance de 1112 páginas retrata uma viagem ao mundo interior caótico de Leopold Blum, parodiando a Odisseia de Homero: Ulisses (Leopold), Telêmaco (Dedalus) e Penélope (Mary Bloom). Há outros personagens do romance de Joyce que fazem referências às personagens da obra de Homero.  Joyce faz uso da paródia, como uma técnica narrativa para desfigurar as obras-primas do passado, fazendo um ataque à própria literatura. Ulysses tem um tom jocoso, satírico.
Leopold Bloom, um homem comum, judeu mas batizado como católico, é casado há 16 anos com Molly, cantora de talento, linda e cobiçada. Os dois tiveram um filho morto  depois de 11 dias de nascido. Esse acontecimento afeta a vida dos dois para sempre.  Eles têm, ainda, uma filha de 15 anos que vive fora de casa, devido a atritos com a mãe.

No dia 16 de junho de 1904, Bloom sai cedo de casa para acompanhar o enterro de um conhecido. Ao voltar do enterro, vai ao centro da cidade até o jornal para os quais presta serviço  publicitário. Feito isso, poderia voltar para casa, mas ele não quer que isso aconteça, por enquanto. Daí começa, então, sua odisseia que dura 18 horas, em busca de pretextos para estar na rua até que tenha certeza de que, ao chegar em casa, sua mulher esteja dormindo. É que eles estão em crise e Bloom sabe que, durante a tarde, ela irá receber um amigo, Boylan, que ele pensar ser amante dela. A história ganha fôlego ao retratar, também, a vida de Stephen Dedalus  e de Molly, que apresenta no final do romance um longo monólogo interior. Além dessas três vozes, há inúmeras outras vozes que se fazem ouvir, tornando a narrativa interessante, mas ao mesmo tempo complexa.

O objetivo de Joyce, em Ulysses, talvez tenha sido o dar uma forma e um significado ao imenso panorama de futilidade e anarquia que é a vida contemporânea.  É uma ficção construída em cima de estruturas de um mito. Leopoldo Bloom é um cara que sabe sentir, mas que muitas vezes não tem capacidade de se expressar. Quando consegue a capacidade expressiva, desaprende a do sentir. Bloom sofre de uma solitária falta de articulação, numa verborragia aparentemente sem sentido algum. As poucas ideias ou sentimentos únicos e de sentidos múltiplos são facilmente deformados em clichês convencionais. Quando Bloom observa, por exemplo uma lingerie numa vitrine, ele diz: "Perfume de abraços o todo assaltou. Com carne faminta e obscuramente, por adorar ardia mudo."
 Joyce apresenta Bloom como o homem andrógino do futuro. Mas não antes de definir as necessidades do homem moderno na figura de Stephen Dedalus, um jovem em fuga do machismo presunçoso do mundo da Dublin de seu pai. A personalidade de Bloom reflete um espelho partido de muitas faces. E esse eu que Joyce celebrou em Leopld, um sujeito culto e versátil, que combina inúmeras vidas passadas em sua própria vida.

Ulysses apresenta uma mudança de técnica narrativa a cada um dos episódios, aparentemente autônomos. A obra contém um quadro que discrimina, para cada episódio, uma cor, uma técnica narrativa, um símbolo, etc, além de atribuir horários e sentido a cada trecho do livro. Joyce teria elaborado esse quadro para facilitar o acesso dos amigos ao livro e a seus detalhes.

Há três traduções da obra em português no mercado: o linguista Antônio Houaiss apresentou a primeira tradução brasileira em 1966. Foi esta edição que tentei ler, mas parei na metade por não estar preparado ainda para as inovações formais de Joyce. Em 2007 saiu a tradução da professora Bernardina Pinheiro, pela editora Objetiva, à qual ainda não tive contato.  Em 2012 saiu a de Caetano Galindo, pela Penguin/Cia. das Letras, considerada a melhor.  É esta que eu li toda e recomendo aos leitores. Aos que se interessam por literatura de qualidade, recomendo o livro do próprio tradutor, Galindo, Uma visita guiada ao Ulysses de James joyce, que busca auxiliar na aproximação do leitor com a obra.

Tradução de Caetano Galindo
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James Joyce. Ulysses. SP Penguin/Companhia, 2012, 1112 pp. 

Um comentário:

  1. Oi, Paulinho. O que houve com o blog? As coisas estão em uma ordem diferente ou sou eu que ando meio esquecido? Seja como for, continua muito bom. Parabéns.

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