domingo, 18 de dezembro de 2016

9. Robinson Crusoé

Aconteceu um dia, quando em torno do meio-dia me encaminhava para o meu barco, de eu ficar extraordinariamente surpreso com a marca de um pé descalço de homem na praia; claramente visível na areia: foi como se um raio me tivesse atingido, ou como se tivesse avistado uma aparição. Eu me pus à escuta, olhei a toda a volta, mas não ouvi e nem vi nada. Subi a um ponto mais elevado para enxergar mais longe, percorri toda a praia de ida e de volta, mas tudo sem resultado, e não vi outra pegada além daquela. Voltei até lá para verificar se encontrava alguma coisa e se não podia ser minha imaginação; mas não havia a menor possibilidade disso, pois era exatamente a marca de um pé descalço, com todos os dedos, o calcanhar e todas as partes de um pé. Como tinha chegado ali eu não sabia, nem tinha como imaginar. Mas depois de inúmeros pensamentos agitados, completamente confuso e quase fora de mim, cheguei de volta a minha fortificação sem sentir, como se diz, o chão debaixo dos meus pés, mas aterrorizado até o último grau, olhando para trás a cada dois ou três passos, confundindo cada arbusto ou árvore e imaginando que cada tronco a uma certa distância era um homem. E nem sei descrever de quantas formas a imaginação assustada me representava as coisas, quantas ideias insensatas brotavam a cada momento em minha fantasia, e quantos caprichos estranhos e incontáveis ocorreram no caminho aos meus pensamentos.

A cena descrita brilhantemente por Defoe mostra a tensão que envolve um homem solitário, já conhecedor da ilha, surpreso e temeroso de que seu isolamento tivesse chegado ao fim.  O vestígio de outro ser humano, que lhe poderia ser amigo ou inimigo, marca uma crise no desenrolar da história.
Ao contrário de As viagens de Gulliver, que mostra uma visão desacreditada da humanidade, Robinson Crusoé é o protótipo do colonizador inglês propulsor da expansão territorial e do progresso da civilização. Ele é um marujo inglês que conhece terras distantes, tendo inclusive morado no Brasil, onde teve fazenda, cultivando e traficando escravos. Certo dia, cansado de ficar no mesmo lugar, deixa suas posses brasileiras a cargo de sócios e empreende novas viagens marítimas. Um dia, naufraga e chega numa ilha aparentemente deserta, onde vive por quase trinta anos, tendo como servo e companheiro o índio Sexta-Feira, que foi salvo por Crusoé quando índios canibais que aportaram na ilha tinham-no trazido para comer.

Daniel Defoe cria, assim, o microcosmo do processo civilizatório numa ilha localizada no Oceano Pacífico, próximo à costa do Chile. Robinson Crusoé, para que possa sobreviver, vai construindo cultura, domesticando a natureza a seu redor, construindo casa, amansando animais e aprendendo a caçar os bichos certos para comer. Depois ensina a língua e hábitos ocidentais ao indígena seu escravo. Depois luta com forças externas à ilha para defender seu território. Cria uma colônia no local onde vivera e volta à Inglaterra para morrer feliz.
Os adeptos da ecologia vão se aborrecer com Robinson Crusoé, pela facilidade com que ele mata as cabras com filhotes para domesticá-los, ou quando mata aves para ensinar a Sexta-Feira como manejar uma arma. Crusoé também exerce sua superioridade de homem branco em relação às populações ágrafas. As coisas eram assim na Inglaterra de 1700. As expansões marítimas descobriam e tomavam posse das terras descobertas, subjugando e matando índios.

Natural de Londres, Daniel Defoe (1660/1731)  era exímio escritor. Aliás, foi um dos precursores da arte de escrever profissionalmente, ainda que vivesse quase na miséria. Escreveu de tudo, de tratados sobre criminologia, passando por ensaios científicos e também pela escrita literária. Além de Robinson Crusoé, é conhecido pelo romance Moll Flandres, precursora do romance burguês.
Robinson Crusoé também foi adaptado para o público infanto-juvenil,mas a obra original é literatura para os grandes.

Tradução de Sérgio Flaksman

  
                                   paulinhopoa2003@yahoo.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário