domingo, 18 de dezembro de 2016

29. O Processo

O processo, de Kafka, que começou a ser escrito em 1914, é um dos melhores romances do século XX.

Josef K.,  procurador de um grande banco, ao acordar certa manhã, estranhou a demora da dona da pensão que servia seu café todos os dias. De repente, batem à porta,  entra um homem que ele nunca havia visto antes, acompanhado de mais duas figuras esquisitas. Josef K. estava sendo detido sem ter feito mal nenhum, certamente vítima de uma calúnia. De início, pensou tratar-se de uma brincadeira de mau gosto arquitetada por motivos desconhecidos, talvez porque ele completasse 30 anos de idade; ou talvez os guardas que invadiram sua casa fossem serviçais da esquina, daí talvez estivesse correndo algum perigo.
Busca argumentar com os guardas o erro que estavam cometendo, mas o inspetor lhe adverte que ele e os guardas, na verdade, não sabiam nada dele. Por isso não saberiam dizer absolutamente nada a respeito do processo, pois desconheciam seu conteúdo. Josef K.  questiona como poderá trabalhar se está detido e fica surpreso ao ver que, na sala encontravam-se mais três pessoas, colegas de trabalho que ele mal reconhecia, que o acompanhariam ao trabalho para que continuasse a ter sua vida normal, até ser chamado para a primeira audiência.

Ao comparecer à primeira audiência, Josef K. se dá conta, diante dos absurdos que lhe são ditos e da manifestação dos presentes que formam duas torcidas, uma a favor dele e outra contra, que tudo aquilo fazia parte de uma organização que mobilizava não só guardar corruptíveis, instrutores e juízes simplórios, mas sustentava uma magistratura de grau elevado e superior, com seu séquito inumerável e inevitável de contínuos, escriturários, militares e outros auxiliares, talvez até de carrascos que consistia em prender pessoas inocentes, movendo contra elas processos absurdos sem nenhum fundamento. Josef K. se insurge contra o juiz e se nega a participar daquela farsa, abandonando a sala.

A partir daí,  com cada um que conversa, obtém alguma informação difusa do processo e de pessoas que sabem alguma coisa dele, ou dos responsáveis pela ação. Como não é chamado para uma segunda audiência, decide ir novamente ao local no domingo seguinte, e percebe que ali reside um casal de funcionários que, toda vez que há alguma intimação, têm de retirar suas coisas do local.
Depois, recebe em casa a visita dos dois guardas que o haviam admoestado na visita da intimação, para serem açoitados por um espancador, na frente de Josef K., como castigo por terem se portado de maneira inaceitável naquela ocasião. Depois aparece um tio do interior que também soube do processo e veio visitá-lo, com preocupações. 

E assim quase todos sabem alguma coisa do incidente. Decide consultar um advogado, que lhe diz coisas absurdas e sem sentido, quanto a sua defesa.
Josef K. não conseguia mais deixar de pensar no processo. Já tinha refletido com frequência se não seria bom redigir um documento de defesa e apresentá-lo ao tribunal. Queria expor nele um breve relato de vida e, a propósito de cada acontecimento relevante, explicar os motivos pelos quais tinha agido daquela maneira, se esse comportamento devia ser censurado ou aprovado segundo o seu juízo atual, e que razões podia invocar em relação a este ou aquele. As vantagens dessa defesa por escrito, diante da mera defesa através do advogado, de resto não de todo irrepreensível, eram indubitáveis.

E assim ele vai se enredando em uma situação absurda que prende a atenção do leitor até o final, no intuito de buscar compreender de que é acusado, quem o acusa, numa obra magnífica, segura de mistério, angústia, premonições e suspense.
O processo apresenta uma contradição fundamental que sustenta a obra, o paradoxo de que, quanto mais fantástica a aventura vivida, mais natural se apresenta a narrativa, porque por mais estranhos que sejam os fatos que envolvem as personagens, elas os aceitam com naturalidade e sem espanto. Joseph K. é alguém que não se surpreende e não se deixa surpreender. É nessa contradição que reside o segredo de Kafka; nos perpétuos balanços entre o natural e o extraordinário, entre o indivíduo e o universal, entre o trágico e o cotidiano, entre o absurdo e o lógico.

Tradução de Modesto Carone.
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Franz Kafka. O processo. SP, Cia. das Letras, 1997, 334 pp. R$ 19,10

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