Gógol(1809/1853),
não foi propriamente russo; é ucraniano, escrevendo em língua russa. Inspirou
na literatura russa do século XIX o intenso sentimento social, a simpatia para
com os ofendidos e humilhado, a indignação contra as injustiças da vida russa,
numa prosa realista que não é realista, pois seus personagens são sempre
caricaturas monstruosas ou burlescas. Seus "heróis" são todos
caricatura, até Akaki Aakievitch de O
Capote é uma caricatura burlesca e comovente dos humilhados da terra russa.
Ao descrever a realidade, deforma-a e essa deformação fornece o humorismo
intenso de sua obra.
O
leitor atento deve conhecer Gógol através de sua peça O inspetor geral e do romance Almas
mortas, traduzidos para o português. Mas o melhor de Gógol está reunido em O capote e outras novelas de Gógol,
lançado pela Editora Civilização Brasileira, com tradução de Paulo Bezerra.
Vamos destacar, aqui, a síntese de três contos, para que o leitor tome
conhecimento do estilo original do autor. Você encontra a edição da
Civilização Brasileira nos sebos virtuais.
O
Capote
Havia
alguma coisa sobrenatural que afastava Akáki Akákievitch dos colegas de
trabalho. Ninguém podia se lembrar quando e por recomendação de quem entrou
para o departamento. Por mais que mudassem de diretores e chefes de toda
espécie, viam-no sempre no mesmo lugar, na mesma posição, no mesmo cargo, o
mesmo escrevente, de tal maneira que depois passaram a acreditar que ele
parecia mesmo já haver nascido inteiramente preparado, de uniforme e calvo. No
departamento ninguém lhe prestava o menor respeito, com uma frieza despótica,
muitos sem lhe dirigir o olhar. E se
olhava para alguma coisa, via sempre em tudo suas linhas limpas,
escritas com uma caligrafia igual, e só perceberia que não estava no meio de
uma linha, mas no meio da rua, se um cavalo aparecesse de repente e lhe
pousasse o focinho no ombro. Em casa, sentava-se imediatamente à mesa, sorvia
rapidamente sua sopa de verduras e comia um pedaço de carne bovina sem
perceber-lhe o sabor.
Há
tempo começara a sentir um ardor especialmente forte nas costas e nos ombros.
Examinando seu capote em casa, descobriu que justamente nas costas e nos
ombros, o tecido virara gaze quase transparente, devido ao desgaste do forro.
Seu capote era objeto de galhofa do pessoal da repartição. A peça era de um
formato estranho, a gola sempre diminuindo de ano para ano, pois servia de
remendo para outras partes. Akáki decidiu que era hora de levar o capote ao
alfaiate para mais um remendo, mas o alfaiate recusou-se a isso, era necessário
fazer um novo capote.
A
muito custo Akáki concordou com a ideia de gastar suas economias para a
confecção de um novo capote. Quando o vestiu e apareceu no trabalho, foi
finalmente visto pelos colegas. Passou a ser convidado para uma festa e todos
notaram sua presença, isto é, seu novo capote. Ao voltar para casa, entretanto,
foi assaltando e levaram seu capote. Quando apareceu ao serviço, no dia
seguinte, os colegas, por compaixão, aconselharam-no a prestar queixa para
tentar reaver o capote. Mas não ao inspetor do bairro, que era figura
insignificante, mas a uma pessoa importante
que pudesse lhe trazer um resultado satisfatório a sua perda.
Essa
pessoa importante deu-lhe um chá de
banco, fazendo-o esperar o dia todo. Quando o atendeu, com descortesia,
exaltou-se furiosamente com a ousadia de Akáki, do pedido insignificante de Akáki. O pobre homem saiu de lá vexado pela
reprimenda e chegou em casa sentindo-se doente. Teve febre e morreu de
desgosto. Assim, levaram o morto e o enterraram. Petersburgo ficou sem Akáki,
como se ele nunca tivesse existido.
O nariz
Ivan
Iákovlievitch era um tremendo beberrão. Embora barbeasse queixos alheios todos
os dias, o seu estava sempre para barbear. Tinha um fraque preto cheio de
nódoas amarelas e acinzentadas com a gola brilhando de suja. Quando barbeava o
assessor Kovaliov, este lhe dizia sempre que as mãos de Ivan estavam sempre
fedendo. Um dia, pela manhã Ivan acordou e foi tomar café com pão recém-feito
pela esposa e, ao partir o pão encontrou uma massa esbranquiçada que,
analisando bem, chegou à conclusão de que se tratava do nariz de Kovaliov.
Apavorado, saiu à rua em direção à ponte para se livrar do nariz, quando é
interceptado por um guarda. Enquanto isso, Kovaliov, também nessa manhã,
acordara cedo e pediu um espelho para verificar uma espinha que lhe brotara no
nariz. Surpreso, viu que sua face estava lisa, sem a presença do nariz. É que o
nariz de Kovaliov tomara vida própria, com vistas a tornar-se independente do
dono. Kovaliov vai à polícia e começa a caçada ao nariz fujão.
Noite de Natal
Numa
aldeia russa era o período do Natal, quando a comunidade local preparava suas
canções e apresentações populares. Nessa aldeia havia um ferreiro temente a
Deus, que desenhava imagens de santos, uma delas exposta na igreja. O momento
crucial de sua arte foi quando pintou um quadro na parede do átrio direito de
uma igreja, no qual reproduziu São Pedro no dia do juízo final, expulsando do
inferno o diabo que, assustado com a possibilidade de seu fim, jurou vingar-se
do ferreiro. Foi nessa noite de Natal que o diabo decidiu roubar a Lua, sabendo
que o velho Tchub, queria fazer uma
caminhada para visitar o amigo sacristão que morava perto dali. Com a noite
completamente escurecida pela falta de luz, Tchub não sairia de casa,
atrapalhando a visita que o ferreiro faria à filha de Tchub para pedir seu
coração. Aconteceu de Tchub acabar saindo e se perdendo na escuridão, tendo
voltado a sua casa, sem saber que era a sua. O ferreiro, coitado, recebeu um
não da jovem adolescente e decidiu aliar-se ao diabo para buscar os sapatinhos
de ouro da czarina, a fim de conquistar o coração da jovem.
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