domingo, 18 de dezembro de 2016

18. Eugênia Grandet

O Sr. Grandet era, em 1789, um mestre tanoeiro bastante próspero, sabendo ler, escrever e contar. Quando, no distrito de Saumus, a República pôs à venda os bens do clero, o tanoeiro, então com quarenta anos, acabara de desposar a filha de um rico negociante de tábuas. Munido de sua fortuna líquida e do dote, munido de 2000 luíses de ouro, Grandet compareceu ao distrito, onde, graças a 200 luíses duplos oferecidos pelo sogro ao feroz republicano que administrava a venda dos domínios nacionais, obteve, a troco de nada, legalmente, senão legitimamente, um dos mais belos vinhedos da região, uma velha abadia e algumas terras arrendadas.

Depois disso, foi nomeado membro da administração do distrito de Saumur, e sua influência pacífica fez-se sentir nos domínios político e comercial. Politicamente, ele protegeu os nobres e usou de todo o seu poder para impedir a venda dos bens dos emigrados; comercialmente, forneceu aos exércitos republicanos 1 ou 2 milhares de barris de vinho branco e se fez pagar em soberbos prados, pertencentes a uma comunidade de mulheres que haviam sido reservados como derradeiro dote.
S
ob o Consulado, foi prefeito, administrou sabiamente, vindimou melhor ainda; sob o Império (de Napoleão), voltou a ser o Sr. Grandet. Napoleão não gostava dos republicanos e o substituiu. Mesmo assim, deixou as  honras municipais sem nenhum pesar. Mandara abrir, no interesse da cidade, excelentes estradas que conduziam às suas propriedades. Sua casa e seus bens,  vantajosamente cadastrados, pagavam impostos módicos. Com a classificação das suas diferentes quintas, suas vinhas, graças a cuidados constantes, haviam-se tornado a cabeça da região, termo técnico empregado para indicar os vinhedos que produzem a melhor qualidade de vinho. Teria podido solicitar a cruz da Legião de Honra.
Este acontecimento deu-se em 1806. O Sr. Grandet tinha então 57 anos e sua mulher andava pelos 36. Uma filha única, fruto de seus amores legítimos, tinha dez anos de idade.(*)

Como podemos ver, Balzac nos mostra a figura do Sr. Grandet de forma irônica, que se aproveitou da liberdade republicana para enriquecer, assim como hoje em dia fazem os políticos por aqui, de legislar em causa própria.
Ele era muito conceituado na província. Nunca devia nada a ninguém. Seu grande defeito era ser sovina até dar com o pau! Tanto que a mulher, a filha e Manon, a criada fiel, não imaginavam que ele pudesse ser tão rico, tal a penúria com que ele subjugava a família em seu cotidiano. Mãe e filha eram responsáveis por toda a roupa da casa, e empregavam tão conscienciosamente os seus dias nesse verdadeiro trabalho de operárias que, se Eugênia queria bordar algo para a mãe, era obrigada a perder horas de sono, enganando o pai para poder ter luz.
Só duas pessoas na cidade podiam supor, vagamente, o vulto de sua fortuna: o Sr. Cruchot, notário, encarregado das inversões usurárias do Sr. Grandet; outra, o Sr. de Grassins, o mais rico banqueiro de Saumur, de cujos lucros o vinhateiro participava segundo sua conveniência e secretamente. Esses dois senhores tinham, cada um deles, um filho que pretendiam casar com Eugênia Grandet, para herdar-lhe a imensa fortuna do sovina.

Quando Eugênia completa 23 anos, o pai faz um jantar de comemoração, onde comparecem as partes interessadas no dote. De repente, batem à porta e apresenta-se um jovem cavalheiro vindo de Paris, Carlos, sobrinho do Sr. Grandet e primo, portanto, de Eugênia. Junto com Carlos vem uma carta lacrada do pai do jovem, onde o irmão lhe revela que está arruinado, afogado em dívidas, e que cometerá o suicídio. Pede, assim, que contem ao filho o ocorrido e que  o amparem em sua pobreza.

Esse moço fino, de hábitos corteses, chama a atenção de Eugênia, que se apaixona por ele de forma ingênua e terna. Ao saber que está sem dinheiro, Carlos decide saldar o que pode com a venda de alguns bens móveis e planeja viajar às Índias, para tentar fazer riqueza. Como não tem um puto vintém, Eugênia lhe empresta uns medalhões de ouro que dão um bom dinheiro para ele fazer a viagem. O sonho de Eugênia é que ele enriqueça e volte para casarem.

Carlos desaparece momentaneamente, o pai descobre que a filha havia se desfeito de seu ouro e a castiga, prendendo-a a pão e água por um bom tempo. A mãe de Eugênia fica doente de desgosto e acaba morrendo, quando pai e filha já estavam reconciliados. O Sr.  Grandet morre de velho e Eugênia herda-lhe a herança. E Carlos ressurge em Paris, rico à custa de serviços escusos. O final do romance é triste, já que Eugênia sucumbe diante de uma sociedade gananciosa, por acreditar no valor dos sentimentos ternos e verdadeiros como essência da vida.

Eugênia Grandet é uma joia de romance, considerado pela crítica como a obra-prima de Balzac, juntamente com Pai Goriot (que mostra o reverso da fortuna na França pós-Revolução). Balzac usa de descrições de pessoas e de situações de forma primorosa, que envolve o leitor até o final do romance.
A edição que eu li tem tradução de Moacyr Werneck de Castro, pela Difel, relançado pelo selo da Abril Cultural, "Os imortais da literatura universal". Poderá ser encontrado em sebos. A LP&M tem se dedicado a boas traduções da obra de Balzac e tem Eugênia Grandet em seu catálogo. Tem a edição da Martin Claret, porém...
(*) adaptado

                              paulinhopoa21003@yahoo.com.br

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